1.8.10

moído



Acordou com o sol queimando a pele suja de terra, mijo, cerveja e pelo de cachorro. Dormiu na sarjeta quando voltava do samba que rolou no bar do Tilzinho. Não aguentava mais subir a ladeira e sentou pra descansar. Sentou e lembrou da Luzia, que sambava como passista de escola de samba, madrinha de bateria. Não conseguia imagens precisas, mas sabia que tinha jogado fora a chance de ficar com ela. O Chico falou pra deixar a menina sambar em paz e ele levou a sério demais. Jogou truco boa parte da noite. E bebeu. Mas bebeu muito. Bebeu tanto que a noite dele poderia ser resumida assim: bebeu, mas jogou. Levou o zap na testa quando decidiu procurar a Luzia. Ela já tinha saído do samba com um boy que tinha colado no bar fazia uns vinte minutos. Quem viu disse que ela realmente brilhava solta na pista. Rebolava mais que todas, mas jogava o cabelo menos do que se poderia supor; não se exibia, reluzia. Deixou o samba menos triste, mas passou como um raio. A alegria daquela noite durou menos que uma flor de maio. Dor de cabeça, boca seca e o latido insistente do cachorro do vizinho. Conseguiu chegar em casa apesar de todas as dores. Procurou um disco entre os muitos que Luzia gostava. Escolheu Cartola, mais um jogo de sorte, azar. Entre a água com gás e a cachaça, não hesitou: esta poderia trazer algum conforto ao coração cansado. Os uivos do cachorro do vizinho rasgaram a tarde enquanto o disco riscado repetia o “abismo que cavaste com os teus pés”.

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