30.9.06

Primeiro de Outubro

Tanta gente inteligente escrevendo a respeito de política, eleições, dossiês e mensalões... Fico até tímido. Vou tentando entender as coisas que acontecem à nossa volta, buscando transformar minha perplexidade em atitudes coerentes e eficientes.
Conversei com alguns amigos sobre política nos últimos dias. Sempre que me perguntavam sobre meu voto, eu diza: indeciso. Mea culpa. Demorei demais a realizar o esforço de entender o cenário político e avaliar as propostas dos candidatos, por mais desacreditados que estes possam estar.
As palavras de Ruy Fausto, publicadas na Folha de São Paulo da última sexta-feira (29/09), amenizaram o incômodo que senti por saber apenas "por alto" dos escândalos de corrupção excessivamente abordados pela mídia. Ele escreveu:

"... tentei fazer um balanço das razões que poderiam nos levar a votar em cada um dos candidatos e das razões que nos impedem de votar neles. Acho que estas últimas são, em geral, mais fortes do que as primeiras."

Não há muito mais a comentar. Mesmo porque já disseram muito a respeito, e de um jeito que eu gostaria de ter competência para fazer. Por isso procuro usar este espaço para refrescar nossa memória. Só pra ficar provado que está tudo fora do lugar e que pouca coisa mudou.

Onde Está a Honestidade?
Noel Rosa (1910 - 1937)

Você tem palacete reluzente
Tem jóias e criados à vontade
Sem ter nenhuma herança ou parente
Só anda de automóvel na cidade...

O seu dinheiro nasce de repente
E embora não se saiba se é verdade
Você acha nas ruas diariamente
Anéis, dinheiro e felicidade...

Vassoura dos salões da sociedade
Que varre o que encontrar em sua frente
Promove festivais de caridade
Em nome de qualquer defunto ausente...

E o povo já pergunta com maldade:
Onde está a honestidade? Onde está a honestidade?



Luiz Gonzaga (1912 - 1989)

"Ê, sertão! Sertão das futricas... Sertão dos políticos, ha! Políticos enganadores, hein deputado? (A pergunta foi para Armando Falcão, que estava presente). A gente chega neles assim nos comícios... 'Dia três todo mundo lá!'. Todo mundo lá... Ninguém sabe em quem votou, hehehe... Sabedoria alheia: 'não voto nesse homem não que ele é rico...'.
Vai votar em quem, Pedro? No coroné.
E pra deputado? É no coroné.
Pra senador? É no coroné!
Pra prefeito? Coroné...
Pra presidente da república? É no coroné!
Hehe! O que vale é que os coronéis perderam cartaz. Hoje não tem mais esse negócio de coronelismo. Coroné hoje é coroné mesmo! Mas eu dou viva ao sertão, ê... Sertão das políticas! Das futricas! Sertão dos cabra valente! E dos cabra frouxo também..."

[ Fala de Luiz Gonzaga no intervalo entre duas músicas que ele cantou no show "Volta pra curtir", realizado no Teatro Tereza Rachel (RJ) em 1972 ]


O Eleito
Lobão ( 1957 - )

Ele é esperto e persistente
Acha que nasceu pra ser respeitado
Ele é incerto e reticente
Acha que nasceu pra ser venerado
O palácio é o refúgio mais que perfeito
Para os seus desejos mais que secretos
Lá ele se imagina o eleito
Sem nenhuma eleição por perto

Seus ternos são bem cortados
Seus versos são mal escritos
Seus gestos são mal estudados
A sua pose é militarista
Ele se acha o intocável
Senhor de todas as cadeiras
Derruba tudo pra ficar estável
Ele não está aí para brincadeira

E o tempo passa quase, quase parado
E eu aqui sem a menor paciência
Contando as horas como se fossem trocados
Como se fossem contas de uma penitência
E tudo, tudo parece estar errado
Mas nesse caso o erro deu certo
Foi o que ele disse ao pé do rádio
Com a honestidade pelo avesso

Ele é o esperto, ele é o perfeito
Ele é o que dá certo, ele se acha o eleito

Desaparecido

Um pedaço de mim ficou no Rio,
outro em Brasília, outro em Manaus.
Meu corpo não resistiu ao cansaço da semana
e desabou na cama, mas minha mente ficou perdida
no fundo da mata escura ao sul da Serra do Cachimbo.

27.9.06

amorideal

"Amar é transformar o outro em nosso ideal, para a psicanálise"
Contardo Calligaris

"O amor ideal precisa da distância"
idem

"Os ideais são como as estrelas: nunca as alcançaremos.
Porém, assim como os marinheiros em alto mar,
traçaremos nosso caminho seguindo-as."
Jean Paul Sartre


Aprender a amar, a sofrer por amor, não é tão grande coisa.
Isso a sociedade, através da televisão, dos livros, do cinema,
ensina. Tudo errado, é verdade, mas ensina.
Difícil mesmo é se deixar amar,
aprender a ser amada(o).


Música Incidental: Nature Boy (Eden Ahbez)
There was a boy
A very strange enchanted boy
They say he wandered very far, very far
Over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he
And then one day
A magic day he passed my way
And while we spoke of many things
Fools and kings
This he said to me
"The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return"

26.9.06

Resumo de Ana

Ela deixou cair as chaves. Afundou no sofá. Tão aconchegante era, adormeceu. Caiu na toca do coelho e viu uma linda menininha perdida em sua meninice. Seu nome era, já não se lembra mais. Ali se via brincando, com mil picolés, batons, bambolês, na fila do algodão doce aguardando sua vez, brincando de pega-pega, queimado, esconde-esconde. Até o dia em que beijou a maçã do amor. Os dentes pequenos, sensíveis, temiam quebrar a casca. Esta se quebrou mesmo no dia em que um menino lhe roubou um beijo. Assustada, deixou cair no chão a maçã. A vida nunca mais teve o mesmo gosto. Passou rápido pelas perdas, desilusões, castelos de areia. Uma tarde na praia, cenário fabuloso, como é gostoso, mãos, braços, pernas-pra-que-te-quero, corre pra água, praia deserta, ainda havia essa liberdade. O tempo passado, com ele a idade, um mundo virado, o sono ficando agitado. Um barulhinho longe, crescente, renitente. O silêncio de repente. Despertou como se uma voz a estivesse chamando. Era a secretária eletrônica. Passos incertos, etilizados, a cabeça nas cinzas dos cigarros. Play.

"Meu bem, meu bem / Você tem que acreditar em mim / Ninguém pode destruir assim / Um grande amor / Não dê ouvidos à maldade alheia, e creia / Sua estupidez não lhe deixa ver / Que eu te amo / Meu bem, meu bem / Use a inteligência uma vez só / Quantos idiotas vivem só / Sem ter amor / E você vai ficar também sozinha, eu sei porquê / Sua estupidez não lhe deixa ver / Que eu te amo / Quantas vezes eu tentei falar / E no mundo não há mais lugar / Pra quem toma decisões na vida / Sem pensar / Conte ao menos até três / Se precisar conte outra vez / Mas pense outra vez / Meu bem, meu bem, meu bem, eu te amo / Meu bem, meu bem / Sua incompreensão já é demais / Nunca vi alguém tão incapaz / De compreender / Que o meu amor é bem maior que tudo que existe / Mas sua estupidez não lhe deixa ver / Que eu te amo / Tanto"

Biiiiiiip....

(Sua estupidez - Roberto e Erasmo)

25.9.06

o tempo nosso de cada dia...

Já não me lembro do dia em que resolvemos marcar o tempo. Vivo sob seus efeitos. Quase não sobra. E o que fica? Amar às pressas? Não, não temos tempo. Para fazer samba e amor até mais tarde não é preciso ser preguiçoso nem covarde. É preciso coragem. Ter a medida das coisas. Não de todas as coisas, porque não há tempo pra isso. É ter a medida daquilo que é importante na própria vida. Não lembro. Não sobra. Não temos. Não.

"Entre o sim e o não existe um vão." Itamar Assumpção

Sim, gosto de tomar umas cervejas com meus amigos. Pode levar tempo, sim, mas sempre consigo encontrar alguém para conversar, falar da vida, suspirar disfarçadamente. Cinema? Sim, a gente faz o possível. Sim, porque tudo é possível, tudo a seu tempo. Por falar em tempo... Sim, eu faço samba e amor até mais tarde. Por isso vivo com sono.



"Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
E não há tempo que volte amor
Vamos viver tudo o que há prá viver
Vamos no permitir"
(Tempos modernos - Lulu Santos)

24.9.06

à primeira vista

vela...
vela...
vela...

Vê-la!


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Dançar
Tom Zé
Composição: Tom Zé

Dançar escreve
Um traço leve
O verbo de Deus be-a-bá

A pele tensa
Papel-imprensa
O pergaminho do jaguar

Para pisar
Golpes de ar
Desambaraçam-se linhas

Alinhavar
Paixões e ais
Diagonais agonias

Ô menina que dança se
Você for
PernambuCatarinAmaraliNatal
Também vou

Ô menina que dança se
Você for
Que'sse cané de ou certá namô
Também vou

Andar com meu pé eu vou
Que o pé se acostuma a dançar

23.9.06

Trampolim

(Caetano Veloso/Maria Bethânia)

Sem olhar, sem respirar
Sem rir, sem pensar, sem falar
Só te provo um lugar
Qualquer piscina ou mar de
Amaralina
O amor não é mais do que o ato
Da gente ficar
No ar, antes de mergulhar
Antes de mergulhar

Dance, dance, cante, cante
Muito alto, sem medo de tudo
De nada, sem medo de errar
Vejo uma boca vermelha galhar
A paixão não é mais do que o ato
Da gente ficar
No ar, antes de mergulhar
Antes de mergulhar

(Álbum da Bethânia recém-relançado: DRAMA/ANJO EXTERMINADO)

21.9.06

"A melancia pode abrir seu coração"

A melancia e qualquer outro filme que te permita um olhar diferente sobre o mundo, o amor, o desejo, os relacionamentos. Dois filmes nos últimos dez dias. "Amor à flor da pele" e "O sabor da melancia". O primeiro, do diretor Wong Kar Wai; o segundo, do Tsai Ming-Liang. Dois links para saber mais a respeito:

http://www.geocities.com/contracampo/wongkarwai.html

http://www.omelete.com.br/cinema/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=3287


Tal qual minha amiga Amato (http://www.julianamato.zip.net), precisei de um tempo pra voltar à baila, recuperar o tato. Para ser exato, foi o tempo de uma cerveja e três cigarros. Nessas horas... Porra, a gente pensa cada coisa! Pensa que pensa... Ou pensa que pensa! E inventa várias besteiras. A lojinha de doces (?) logo em frente me fez lembrar de Caio Fernando Abreu. Daí saiu outro pseudo-poema, rs...


Amor aos Pedaços

A vida é torta, mas não é um bolo trufado.
É um morango mofado.


E, por enquanto, é isso. Quanto vale o terceiro cigarro? Quanto vale o show?
(Isso aqui não é programa de televisão nem propaganda de cartão de crédito...)

20.9.06

Foram os astros, lógico!

"Todo dia de manhã, antes mesmo do café abrir o jornal
todos nas folhas 18, ver os caminhos que se lhe determina o astral
Finanças, amor, saúde, o que devo fazer no relacionamento pessoal
Qual a pedra, a cor, a flor, a cueca, a calça, a camisa,
O meu comportamento geral

'As desavenças dentro do lar serão nefastas à vida profissional. Não ouça o conselho de amigos pois todos irão te fazer muito mal. Um novo fato na vida complicará teu campo sentimental. Cansaço, perturbações, complicações nesse período atual.'

Não faça, não saia, não fume, não fale, não coma, não durma, não coma, não fale nada afinal.
Em todos os trinta diários, revistas e folhas
E o rosto ficando vermelho e o suor
O garfo caindo da mão
O leite sujando o chão
O nó na garganta e o pior
Fazem já mais de dez anos
Sentado calado abobado
Sem mexer sequer o olhar

Logo no dia em que a Terra na casa maior de Netuno em função com PLUTÃO
Regida por Vênus que emana os raios da força contra esse mal
Banhada pela luz da lua em quarto-crescente paixão
Prenuncia uma fase repleta de bêncãos
A catatonia integral"

("Catatonia Integral" - Gonzaguinha - do álbum Plano de Vôo)

19.9.06

"You must remember this..."

"Rick - No fundo, sabemos que seu lugar é com o Victor. Você é parte do trabalho dele. Se o avião partir e não estiver com ele, se arrependerá. Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas logo. E pelo resto de sua vida.

Ilsa - E quanto a nós?

Rick - Sempre teremos Paris. Nós a tínhamos perdido até você vir a Casablanca. Nós a recuperamos ontem à noite.

Ilsa - Quando eu disse que nunca o abandonaria.

Rick - E nunca abandonará. Mas também tenho um trabalho. E aonde vou, não pode seguir. Do que farei, não pode participar. Não sou nobre, mas é fácil ver que os problemas de três pessoas não contam muito neste mundo louco."


"You must remember this
A kiss is just a kiss, a sigh is just a sigh.
The fundamental things apply
As time goes by."

18.9.06

Morfológicas II

(Pseudo-poema interativo.)


SANTO
cinco letras
quatro fonemas

[uma vida repleta de vícios]

[uma vida inteira de sacrifícios]

[uma biografia cheia de artifícios]

15.9.06

Secretária Eletrônica

Ricardo acordou tarde. Olhos cansados de olhar e não ver preferiram ficar no escuro. O som da rua não incomodava. Ainda. Vinha. Primeiro o cachorro da vizinha latindo lá longe no fundo do corredor. Uma. Duas. Três vezes. Parecia preparação. Ganhou o corredor a distância encurtou encurtando o latido aumentando o cachorro correndo latindo crescendo as patas sobre a cama um latido no ouvido. Fez força para que se mantivessem cerradas as pálpebras. Por isso não via. Já ouvia, contudo, todo o som da rua. Uma buzina aqui, outra acolá, uma sirene se aproximando vindo da rua de cima desce a ladeira invade o quarto e passa. E se afasta. Vai longe. Se esconde. Se apaga. Ele se concentra tentando relaxar e inspira profundamente. Prende o ar. Está pronto para suspirar. Táratátá o tempo não pára uma britadeira que invade o seu quarto quer suspirar os olhos fechados cerrados trancados esquece o suspiro e quer gritar!!! Gritou. Sentiu-se aliviado. Logo a lembrança de Ana se instalou. Mesmo sem querer olhar, olhou. A imagem dela se impôs. Incapaz de não olhar, preferiu não ver. Três respirações profundas e abriria os olhos. Um... dois... três... O canto do bem-te-vi atravessou a janela como se ela não fosse. Chorou. Copiosamente. Trinta minutos mais tarde já era tarde demais. Não quis saber as horas até tocar o telefone. "Bom dia! Você tem uma nova mensagem na sua secretária digital. Para ouvir sua mensagem aperte a tecla estrela; para desligar, digite seis". O coração disparou. Olhou em volta como procurasse coragem para tentar qualquer coisa diferente de. Apertou a tecla estrela. "Primeira nova mensagem. Mensagem recebida hoje às três horas e quarenta e cinco minutos". Um barulho de agulha riscando o vinil.

"Primeiro você me azucrina, me entorta a cabeça
Me bota na boca um gosto amargo de fel
Depois vem chorando desculpas, assim meio pedindo
Querendo ganhar um bocado de mel
Não vê que então eu me rasgo, engasgo, engulo
Reflito e estendo a mão
E assim nossa vida é um rio secando
As pedras cortando e eu vou perguntando: até quando?

São tantas coisinhas miúdas, roendo, comendo
Arrasando aos poucos com o nosso ideal
São frases perdidas num mundo de gritos e gestos
Num jogo de culpa que faz tanto mal
Não quero a razão pois eu sei o quanto estou errada
O quanto já fiz destruir
Só sinto no ar o momento em que o copo está cheio
E que já não dá mais pra engolir

Veja bem, nosso caso é uma porta entreaberta
Eu busquei a palavra mais certa
Vê se entende o meu grito de alerta
Veja bem, é o amor agitando meu coração
Há um lado carente dizendo que sim
E essa vida da gente gritando que não"

Era um "Grito de Alerta" interpretado por Maria Bethânia...

14.9.06

Baviera 12/09

Declaração do Papa Bento XVI na data acima referida
e veiculada pelo jornal O Estado de São Paulo:

"Sem Deus as contas não fecham para o homem, o mundo e o universo."

Hum... Agora estão explicadas nossas angústias,
o aquecimento global e a suposta expansão do universo.



Agora, cá entre nós: Ele bem que podia aparecer e me emprestar
uma grana pra eu conseguir fechar minhas contas este mês...

13.9.06

Pra não dizer que eu não falei de flores...

"Olhei até ficar cansado de ver os meus olhos no espelho
Chorei por ter despedaçado as flores que estão no canteiro
Os punhos e os pulsos cortados e o resto do meu corpo inteiro
Há flores cobrindo o telhado e embaixo do meu travesseiro
Há flores por todos os lados há flores em tudo que eu vejo
A dor vai curar essas lástimas
O soro tem gosto de lágrimas
As flores têm cheiro de morte
A dor vai fechar esses cortes
Flores, flores...
As flores de plástico não morrem"
(Titãs)

12.9.06

Você é feliz?

Deu no jornal Folha de São Paulo do último domingo (10/09):

"Pesquisa Datafolha realizada com 7724 pessoas em 349 municípios do país mostra que 76% dos brasileiros se consideram felizes. (...) Questionados sobre o estado de espírito dos brasileiros em geral, porém, só 28% dos entrevistados disseram vê-los como felizes. O economista Eduardo Giannetti (...) não vê contradição. Segundo ele, as pessoas olham para 'dentro de si' ao responder à primeira pergunta e para condições objetivas (emprego, segurança) na segunda."

Acho que Ovídio não foi ouvido:
"É preciso sempre esperar o último dia de um homem, e ninguém pode ser declarado feliz antes de sua morte e de seus funerais, que põem fim a tudo."

Cara durão esse tal de Ovídio...

Acho que prefiro acreditar que a felicidade não existe. Existem momentos felizes. Ou, como diria minha amiga Raquel, existem pequenos momentos perfeitos.


Música Incidental: A felicidade (Tom Jobim e Vinícius de Moraes)

Tristeza não tem fim
Felicidade sim
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor
A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta feira
Tristeza não tem fim
Felicidade sim
A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar
A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite
Passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Prá que ela acorde alegre como o dia
Oferecendo beijos de amor
Tristeza não tem fim
Felicidade sim

11.9.06

Preciso escrever sobre isso!

Interrompo uma vez mais a transcrição das minhas loucuras para contar uma experiência muito gostosa que tive na noite de ontem. Estive no Sesc Pinheiros para assistir a um dos melhores shows da minha vida. O negócio foi mais ou menos assim:

Jards Macalé - Luiz Melodia - Lanny Gordin - Orquídeas do Brasil

Todos esses talentos reunidos no mesmo palco. Queria muito que outras pessoas estivessem presentes, amigos, parentes. Apesar disso, a presença talvez não fosse questão - uma amiga assistiu ao show pela terceira vez e certamente teve uma experiência diferente. Eu queria apenas dividir a mesma emoção, só isso. Emoção de ver/ouvir músicas/canções que, até então, só conhecia através dos discos. Ouvir ao vivo versos do tipo:

"na sala numa fruteira / a natureza está morta / laranjas, maçãs e pêras / bananas, figos de cera / decoram a noite torta / sob a janela do quarto / a cama dorme vazia / encaro nosso retrato / sorrindo sobre o criado / no meio da noite fria / está pingando o chuveiro / que banho mais apressado / molhado caíste fora / no espelho minh'alma chora / lá fora está tão gelado / sozinha nesta cozinha / em pé eu tomo um café / na pia a louça suja / me lembra da roupa suja / no tanque que a vida é"
(Noite Torta - Itamar Assumpção)

"Silêncio, por favor, enquanto esqueço um pouco a dor do peito
Não diga nada sobre meus defeitos
Eu já nem lembro mais quem me deixou assim
Hoje eu quero apenas uma pausa de mil compassos
Para ver as meninas e nada mais nos braços
Só esse amor assim descontraído
Quem sabe de tudo não fale
Quem sabe nada se cale
Se for preciso eu repito
Porque hoje eu vou fazer
A meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito."
[ Para ver as meninas - Jards Macalé (Composição: Paulinho da Viola) ]

"Tente passar pelo que estou passando
Tente apagar este teu novo engano
Tente me amar pois estou te amando
Baby, te amo, bem sei que te amo
Tente usar a roupa que estou usando
Tente esquecer em que ano estamos
Arranje algum sangue, escreva num pano
Pérola Negra, te amo, te amo
Rasgue a camisa, enxugue meu pranto
Como prova de amor mostre teu novo canto
Escreva num quadro em palavras gigantes
Pérola Negra, te amo, te amo
Tente entender tudo mais sobre o sexo
Peça meu livro querendo eu te empresto
Se intere da coisa sem haver engano
Baby te amo, nem sei se te amo"
(Pérola Negra - Luiz Melodia)


Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça!

Aproveitando a viagem e atendendo a um pedido da amiga Thais Polimeni, vou escrever seis coisas sobre mim. Não pretendo fazer isso novamente por aqui. Busquei palavras próprias, mas sempre apelo para palavras de outras pessoas. Acho positivo até certo ponto porque é através da relação com as outras pessoas que nos tornamos o que somos - e sempre nos transformamos.

Lá vai:
- Sou apenas um rapaz latino-americano devendo no banco;
- Louco por discos e livros;
- Sujeito a chuvas e trovoadas;
- Cheio de dúvidas, é verdade;
- Como todo ser humano, cheio de vontades;
- Mas que escreve por sentir tal necessidade.

Tenho dito.

10.9.06

Girou a chave, a maçaneta, bateu a porta atrás de si. Caminhou pelo corredor à procura de certezas. Viu as pilhas de jornais e revistas, os discos que tanto aprecia, a estante cheia de livros, pálidos ou não. E viu que tudo era bom. O motor da geladeira voltou a funcionar. Era o convite que faltava. Abriu a porta e uma lata de cerveja apareceu em sua mão. Não era possível voltar atrás. Cada movimento o deixava cada vez mais perto da morte. Invariavelmente. O primeiro gole teve um sabor amargo como o primeiro trago no cigarro daquela madrugada fria. Dez graus de calor insuficiente. Bastou. Dormiu sobre os papéis carregados de poesia, cartas de amor que ela jamais leria, mas que ele insistia em escrever. Então sonhou. Tão verdadeiro foi o sonho que. Testemunha do maior dos antagonismos. Vida e morte se casaram num cartório à beira estrada. A paixão promoveu a cerimônia mas quem a celebrou foi a esperança. Desligou todas as travas e derrubou barreiras, apesar das palavras de advertência. Tinha plena consciência de que não precisava saber pra onde, só precisava ir. Mas na hora K, não foi. Todas as placas se impuseram no momento decisivo: respeite a sinalização, proibida a ultrapassagem, sentido obrigatório, dê a preferência, reduza a velocidade... E todas passavam por ele cada vez mais depressa mas tão depressa que ele já não conseguia decifrá-las. Acordou aflito. Levantou contrariado. Nada daquilo aconteceu de verdade. Mesmo em sonho, era perseguido pelo princípio da realidade. E viu que isso não era bom.

9.9.06

Retorno de Ricardo

- Alô?

- Oi, Ana! Sou eu, Ricardo.

- Ouviu "Rádio Blá"?

- Ouvi.

- E aí?

- E aí.

- Como assim "e aí."?

- "E aí?" não significa nada, já pensou nisso?

- Não. E daí?

- Chega, Ana... Cansei desse blá-blá-blá...

- Então tá.

- Quer saber mesmo? Pra mim você tem medo.

- De quê?! De você?

- Não. Medo de viver. Medo de ser feliz. Vai ouvir Infinita Highway, depois a gente se fala.

- Mas Ricardo...

- Tchau!




Infinita Highway - Engenheiros do Hawaii
Composição: Humberto Gessinger

Você me faz correr demais os riscos dessa Highway
Você me faz correr atrás do horizonte dessa Highway
Ninguém por perto, silêncio no deserto,
Deserta Highway
Estamos sós e nenhum de nós sabe exatamente onde vai parar
Mas não precisamos saber pra onde vamos, nós só precisamos ir
Não queremos ter o que não temos...
Nós só queremos viver
Sem motivos, nem objetivos, estamos vivos e isso é tudo
É sobretudo a lei da Infinita Highway...
(...)
Eu vejo o horizonte trêmulo, eu tenho os olhos úmidos
Eu posso estar completamente enganado
Eu posso estar correndo pro lado errado
Mas "a dúvida é o preço da pureza"
E é inútil ter certeza
Eu vejo as placas dizendo não corra, não morra, não fume
Eu vejo as placas cortando o horizonte
Elas parecem facas de dois gumes

A minha vida é tão confusa quanto a América Central
Por isso não me acuse de ser irracional
Escute, garota, façamos um trato
Você desliga o telefone se eu ficar muito abstrato
Eu posso ser um Beatle, um beatnik ou um bitolado
Mas eu não sou ator, eu não tô à toa do teu lado
Por isso garota, façamos um pacto de não usar a Highway pra causar impacto

110, 120, 160,
Só pra ver até quando o motor agüenta
Na boca em vez de um beijo um chicle de menta
E a sombra do sorriso que eu deixei..."

8.9.06

Amizade nos tempos do Orkut

Avenida Paulista. A noite de quarta invadiu a madrugada do sete de setembro. Uma da manhã. Dez graus. Perto da esquina com a Campinas, dois rapazes sentados lado a lado, dividindo um fone de ouvido. Um deles olhava para o outro lado da rua. Ou para a terceira margem da pista. O outro se empolgava e batucava na perna o ritmo da música. Nada mais importava: a madrugada gelada, o pouco trânsito, o feriado, tampouco os transeuntes. Estavam ali, mas noutro lugar. Lugar de sonho, liberdade, amizade.




Por falar em amizade, aqui vai um pouco do que já falaram sobre amizade. Domínio público.

* A amizade multiplica as alegrias e divide as tristezas.
* Amizade que envelhece não morre.
* Boa amizade, segundo parentesco.
* Na necessidade se prova a amizade.
* O interesse é o carrasco da amizade.

E já foi dito também que:

* Amigo de mesa nem sempre é de firmeza.
* Amigo é irmão escolhido por nós.
* Amigo diligente é melhor que parente.
* Nem todo irmão é amigo, mas todo amigo é irmão.
* O tempo mostra o amigo.

Só mais cinco...

* A sorte faz os parentes, os amigos faço eu.
* Bons amigos, bons conselhos.
* Conhece-se um homem por seus amigos.
* Livros e amigos, poucos e bons.
* Muitos amigos em geral, e um, em especial.

6.9.06

E naquela ligação...

(Ana tenta uma resposta)

- Olha, Ricardo: se você tem uma vontade que não passa, talvez seja melhor consultar um médico. Você já pensou em fazer análise?

- Ana! Pode parar por aí! Você sabe que não gosto desse negócio...

- Tá bom, tá bom... Não precisa falar desse jeito. Só estou tentando ajudar...

- Então por que você não vem? Ou me deixa passar aí. Eu te pego e a gente conversa um pouco.

- Ricardo, faz o seguinte: liga pra um amigo seu, toma uma cerveja, bate um papo. Depois a gente se fala. Pode ser?

- Vai adiantar alguma coisa se eu disser que não?

- Olha... Você já ouviu falar do Lobão?

- Já. O que tem ele?

- Procura uma música dele chamada "Rádio Blá". Essa vontade que você diz sentir pode ser outra coisa. Vai ouvir esse som, pensa bem no que você acha que está sentindo e depois me liga.

- Mas Ana...

- Beeeijo, tchau!



* Rádio Blá - Lobão
(Composição: Lobão/Arnaldo Brandão/Tavinho Paes)

Ela adora me fazer de otário
Para entre amigas ter o que falar
É a onda da paixão paranóica
Praticando sexo como jogo de azar
Uma noite ela me disse "quero me apaixonar"
Como quem pede desculpas pra si mesmo
A paixão não tem nada a ver com a vontade
Quando bate é o alarme de um louco desejo

Não dá para controlar, não dá
Não dá pra planejar
Eu ligo o rádio
E blá, blá... blá, blá, blá, blá
Eu te amo

Sua vida burguesa é um romance
Um roteiro de intrigas
Pra Fellini filmar
Cercada de drogas, de amigos inúteis
Ninguém pensaria que ela quer namorar
Reconheço que ela me deixa inseguro
Sou louco por ela e não sei o que falar
O que eu quero é que ela quebre a minha rotina
Que fique comigo e deseje me amar.

5.9.06

Dúvidas Divididas

Depois de catar feijão mais de uma dúzia de vezes ao som de bambas do samba como Cartola, Carlos Cachaça, Paulinho da Viola - e de intérpretes maravilhosas como Clara Nunes e Elizeth Cardoso, resolvi trocar a trilha sonora. Sim... Catei feijão ouvindo Velvet Underground.
Curioso. Tantas coisas me ocorreram naqueles minutos...
Quando vai esquentar, meu Deus?
Será que o Lula ganha mesmo?
Quando vai acontecer o próximo ataque do PCC?
Vou conseguir estudar no feriado?
Será que tranco aquelas três matérias?
E as perguntas da Palena?
E aquelas do Itamar Assumpção?

Stop. Open. Tira o Velvet. Põe o Itamar. Close. Play.

SAMPA MIDNIGHT
isso não vai ficar assim

"Prezadíssimos ouvintes"? Não, não é essa. "Idéia fixa", "Navalha na liga", "Movido à água", "Desapareça Eunice", "Tete tentei", "Vamos nessa"? Não, não é essa. "Eldorado" não pode ser porque é instrumental. "Sampa midnight", "Isso não vai ficar assim", "Z da questão meu amor"... (Como é essa mesmo? Ah, sim! Mas também não é essa). Isso! "Totalmente à revelia"!
Então ele canta:

"Por que será que a vida só tem caminho de ida?"
"Por que será que da morte não há caminho que torne?"
"Se eu morresse amanhã qual que será, qual que seria da minha mãe,
minha mulher, minhas filhas, minhas músicas, minhas lindas Orquídeas?"

Legal. Do mesmo disco ainda ouvi "Cadê Inês", "Chavão abre porta grande" (ótima!) e, por fim, "E o quico".

Peraí! Essa é uma ótima pergunta: o que você tem com isso? Por que estou escrevendo sobre coisas que me ocorreram nesta manhã gelada? Afinal, isso aqui não é um diário - apesar das postagens diárias.

Olha, se você teve paciência de ler até aqui, agradeço e peço desculpas.
Acho que foi o frio.
Fui!

4.9.06

Pergunta sem resposta

(Alguém se habilita?)


- Alô?

- Ana?

- Sim! Quem é?

- É o Ricardo! Tudo bem?

- Tudo bem, e você?

- Mais ou menos...

- O que houve?

- Ana...

- Fala!

- Você sabe que eu te desejo faz tempo, não sabe?

- Ai, de novo essa história, Ricardo? Não faz assim...

- O que eu posso fazer? Eu tô com uma vontade enorme de você!

- Vontade é coisa que dá e passa!

- Sei... E se essa vontade não passa? Você tem um nome pra isso?

3.9.06

Morfológicas - I

"Um fonema é um morfema?"
"Um morfema é um fonema?"
Uma fêmea é uma fêmea!

2.9.06

Carioca

Composição: Chico Buarque

Gostosa / Quentinha / (Quem vai?) Tapioca
O pregão abre o dia / Hoje tem baile funk
Tem samba no Flamengo / O reverendo
No palanque lendo / O Apocalipse
O homem da Gávea criou asas
Vadia / Gaivota / Sobrevoa a tardinha
E a neblina da ganja
O povaréu sonâmbulo / Ambulando
Que nem muamba / Nas ondas do mar
Cidade maravilhosa / És minha
O poente na espinha / Das tuas montanhas
Quase arromba a retina / De quem vê
De noite / Meninas
Peitinhos de pitomba
Vendendo por Copacabana
As suas bugigangas
Suas bugigangas

1.9.06

Rio III

- Quando começou? Você se lembra?

- Não tenho certeza, doutor. Fiquei longe durante uns três meses. Eu a amava, doutor! É como se a gente não se conhecesse mais. Ela está tão diferente...

- Diferente?

- Sim, doutor. Só que ficou pior. Melhor: ficou parecida com a outra.

- E como ela é?

- Nossa! Aquela outra lá é muito barulhenta, não pára um minuto sequer. E acabei me acostumando, entende? Não consigo mais ficar parado, não me permito ficar quieto nem por um minutinho. Durmo só pra conseguir ficar acordado depois, como apenas pra matar a fome... Corro demais, doutor!

- Fuma?

- Consegui parar. Promessa de Ano-Novo.

- Bebe?

- Quando sobra tempo... Ou pra relaxar um pouco. Chegar em casa depois daquele trânsito...

- O que mais te incomoda naquela?

- Não sei, doutor! Porque tem tantas coisas naquela que eu aprecio... Só que...

- Que?

- Aquela é bem legal, doutor. Só que essa daqui é muito mais gostosa!

- Sei...

- Essas curvas são demais, fala sério!

- Por que você não deixa aquela de uma vez?

- Não sei, doutor! Não sei. Acho que é só pra ter um lugar pra voltar...



Música Incidental - Esse é o lugar (Fernanda Abreu)

Eu nasci aqui / Me criei aqui
De lá nada sei / Eu só sei de mim
Quando vou pra lá / Vejo coisas daqui
Quando volto pra cá / Vejo coisas de lá
Quero saber / O que se passa aqui
Quero saber / O que se passa por lá
Quero saber / O que se passa em todo o lugar
(...)
Quando vou pra lá / Me sinto longe daqui
Quando volto pra cá / Me sinto perto de lá
Eu sou um pouco daqui / Eu sou um pouco de lá
Mas as coisas que eu falo / São de qualquer lugar
Mas as coisas que eu sinto / São de qualquer lugar
Mas as coisas que eu como / Eu como em qualquer lugar
E pelas coisas que eu vejo / Esse é o lugar
(...)
Quando vou pra lá / Sinto falta daqui
Quando volto pra cá / Me faltam coisas de lá
Com os pés aqui / Com a cabeça lá
Minha visão daqui / O meu olhar de lá
Vou vivendo
Misturado misturado
Vou vivendo
Misturado misturado