31.12.06

O último de 2006

Não tem tradução

Uma pessoa me disse que a vida é muito simples e que a gente torna tudo mais complicado. Tenho a impressão de que, na verdade, tudo é muito complexo – o corpo humano, o universo –, mas pode ser muito simples lidar com toda essa complexidade. Tentarei exemplificar.

(Continua lá no www.banga.zip.net - tem um link aqui também)


Excelente 2007!!!

29.12.06

Música fosse oração

Gostaria de escrever uma bela mensagem para os visitantes deste blog, mas não pude. O mundo à nossa volta parece agonizar. Outrora "O grito" e "Guernica" deram conta de refletir o estado de espírito da humanidade - não vamos discutir a intenção dos artistas, não é esse o caso. Hoje, talvez seja preciso algo entre os dois - ou algo além. Já ouvi dizer que isso é pessimismo, coisa de (pseudo-)intelectuais. Concordo que eles até possam existir, mas enxergo o dito pessimismo como realismo. E, para muitos, a realidade incomoda demais. Vi uma pintura que talvez dê conta. Faz tempo, não lembro onde, de quem... mas eram retirantes.

Diante das previsões dos cientistas e dos últimos acontecimentos (tsunami, neve derretendo, ilha desparecendo), temos duas opções:
a) achar tudo muito natural, acreditando que o planeta está se ajustando às nossas vontades;
b) fazer o que está ao nosso alcance para evitar ou retardar os problemas que os habitantes deste planeta certamente enfrentaremos - direta ou indiretamente.

Voltando aos retirantes... O clima tá esquisito, não? Enquanto uns morrem afogados, outros morrem de sede. E se fosse sede só de água... Só que a sede do homem vai além, muito além. Já ouvi falar em sede de justiça, de paz, de viver. A letra da canção que segue é minha oração em prol da humanidade (sempre carente). Você tem sede de quê?

"Traga-me um copo d'água
Tenho sede
E esta sede pode me matar
Minha garganta pede
Um pouco d'água
E os meus olhos pedem
Teu olhar

A planta pede chuva
Quando quer brotar
O céu logo escurece
Quando vai chover
Meu coração só pede
Teu amor
Se não me deres
Posso até morrer"

[ "Tenho sede" - Anastácia / Dominguinhos - gravada por Gilberto Gil ]

26.12.06

Artista: Silvio Rodríguez
Album: Mujeres
Canción: Te doy una canción

Cómo gasto papeles recordándote
Cómo me haces hablar en el silencio
Y cómo no te me quitas de las ganas
Aunque nadie me vea nunca contigo

Y cómo pasa el tiempo
Que de pronto son años
Sin pasar tú por mí
Detenida

Te doy una canción
Si abro una puerta
Y de las sombras sales tú

Te doy una canción
De madrugada
Cuando más quiero tu luz

Te doy una canción
Cuando apareces
el misterio del amor

Y si no lo apareces
No me importa
Yo te doy una canción

(...)

Te doy una canción
Y hago un discurso
Sobre mi derecho a hablar

Te doy una canción
Con mis dos manos
Con las mismas de matar

(...)

Te doy una canción
Como un disparo, como un libro
Una palabra, una guerrilla
Como doy el amor

21.12.06

tapete vermelho

Se nada der certo,
viro jeca.

Canción de un amor extraño

Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, que só
Se amarão sem saber
Com o amor que um dia
Não dei pra você.



(Violação da canção Futuros Amantes - Chico Buarque)

20.12.06

Vaidade das Vaidades - II

Soube - pelas mais seguras fontes, que têm conhecimento acima do comum dos mortais - que tive uma boa atuação. Achei, até então, que as pessoas tinham sido generosas nos aplausos e cumprimentos. Parece que foi de verdade. O problema disso tudo é que eu continuo acreditando que posso realmente ter encontrado algo que faço direitinho, algo que pode continuar crescendo com um pouco mais de esforço e dedicação.

Corta para o dia primeiro de dezembro. Eu ainda não tinha conseguido mostrar nada de interessante, meu trabalho não tinha andado muito. Não fui pressionado diretamente por nenhum dos colegas, muito menos pelo professor. Posso ter sido pressionado indiretamente, mas nada foi pior do que meu senso de responsabilidade me cobrando. Afinal de contas, eu tinha o papel do protagonista. Então, me sentia mais ou menos assim:

"De vez em quando todos os olhos se voltam pra mim,
De lá de dentro da escuridão,
Esperando e querendo que eu seja um herói, (...)
Mas eu sou inocente.
(...)
Esperando e querendo que eu saiba,
Mas eu não sei de nada.
(...)
Esperando e querendo apanhar,
querendo que eu bata,
querendo que eu seja um Deus.
Mas eu não tenho chicote.
Mas eu sou até fraco."*

E agora... Agora está tudo feito, mas já ouvi falar em novas apresentações da mesma peça. Todo mundo muito animado. Eu? Incomodado com um texto que fica ecoando na minha cabeça.

Estranho. Pensei que a vida voltaria ao normal, mas isso não existe. A vida é como ela é. E vai se transformando no contato com o outro. Inevitável, irremediavelmente. Passa, como uma onda no mar.

Isso também passará?




* "Todos os olhos" - Faixa título do disco do Tom Zé.

15.12.06

Vaidade das Vaidades - I

Quinze dias sem tirar a barba, dez dias sem beber e sem fumar. Pode ser crise de abstinência. Pode ser apenas o tirano vil do qual me aproximei. Não estou certo se foi nos últimos dias do ano passado ou nos primeiros dias desse ano. Acho que fui eu que liguei pro meu professor de teatro e lhe disse que não poderia continuar fazendo o curso. Sim, faço um curso livre de teatro. Sim, ele está no fim.

Um ciclo havia se fechado no fim do ano passado. Eu já estava cansado. Trabalho, faculdade e teatro? Muita coisa pra mim. Enfim... Naquele telefonema ele me falou pra continuar, que seria bacana, "vamos estudar Shakespeare". Legal!, pensei. Só que eu já estudaria o bardo, de qualquer maneira, por influência de uma carta que Mário de Andrade escreveu pro Fernando Sabino:

"Você precisa de uma cultura literária geral, que não deve ser feita duma vez só, mas dentro de um programa que pode durar ponhamos seis anos. Há certas coisas que a gente carece de conhecer e gostar. Gostar de, faz parte da dignidade humana do indivíduo. Você precisa ler Camões (...), Dante(...), o Goethe do Fausto e dos romances, está claro todo o Shakespeare, e assim por diante."*

Então disse que não dava, que eu precisava priorizar outras coisas, blá-blá-blá... E ele falou com tanta gentileza - não foi exatamente como um gentleman, foi quase como uma lady - que faríamos Macbeth, e que eu seria o protagonista, que.

Amanhã faremos única apresentação no Teatro Ruth Escobar. Ingressos vendidos, últimos ajustes de produção, ensaios finais, medo natural da estréia. Adiei o quanto pude a minha convivência com o personagem. Hoje ele é a minha sombra. Talvez eu já seja a dele. Ou, ainda, amanhã serei apenas um mau ator se debatendo sobre o palco e que depois será esquecido.

Todas essas palavras podem ser apenas uma forma de diminuir a ansiedade que antecede a apresentação. Stagefright? Não. Mesmo porque a Fernandinha Torres** afirmou que o temido pânico de cena só pode acontecer, de verdade, em praças onde o teatro é levado a sério. Isso significa que não levo a sério o que faço? Muito pelo contrário. Faço um curso livre de teatro, assumi um compromisso com o grupo e não larguei a corda. Amanhã mais um ciclo se fecha. Vou e estará feito.

Enquanto não fica feito o feito, aguardo o momento de renascer. Depois das vaias, ou dos aplausos e cumprimentos, vou beber uma cerveja bem gelada (porque o medo de ficar sem voz terá desaparecido), fumar dois ou três cigarros (já comprei dois maços hoje), correr pra casa pra tirar a barba (que não sei se terei coragem de deixar crescer novamente) e, finalmente, deitar tranqüilo, a mente sossegada, em sono quieto.

Será? Não sei... Quando eu acordar, já estarão me chamando outras questões: a casa pra cuidar, vôos para controlar, os preparativos para o Natal... Acho que a dúvida mais gostosa que terei pra resolver no domingo será a escolha do livro (de uma lista imensa) que começarei a ler nestas férias escolares.

Só que o mais interessante será nascer de novo, viver novamente apenas a minha vida. E que o tirano vil fique apenas no papel. Amém!




Agradeço a todas as pessoas que estiveram ao meu lado durante todo este processo, seja em casa, no trabalho, na faculdade ou no teatro. A lista chegaria ao fim do mundo. Recebam todos o meu abraço!


* Trecho de carta escrita por Mário de Andrade em 21-III-42, publicada no livro Cartas a um jovem escritor e suas respostas.

** Fernanda Torres fez a referida afirmação num texto de que gostei muito e está publicado na revista Piauí deste mês. Coincidência ou não, li o texto da Fernanda nesta manhã.

7.12.06

Que dia é hoje?

Parece que o blog tá fazendo aniversário...
Ah! Não?
Então está nascendo de novo...
Quem sabe, morrendo cada dia um pouco?
Que importa?

Fica a impressão de que está apenas em crise, e crescendo.
Vai ver virou um adolescente, mas conserva um coração de criança...




O adolescente (M. Quintana)

A vida é tão bela que chega a dar medo.
Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita,
mas

esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.

Medo que ofusca: luz!

Cumplicemente,
as folhas contam-te um segredo
velho como o mundo:

Adolescente, olha! A vida é nova...
A vida é nova e anda nua
- vestida apenas com o teu desejo!

(Apontamentos de História Sobrenatural, Porto Alegre, Editora do Globo, 1976)




CORAÇÃO VAGABUNDO (Caetano Veloso)

MEU CORAÇÃO NÃO SE CANSA
DE TER ESPERANÇA
DE UM DIA SER TUDO O QUE QUER
MEU CORAÇÃO DE CRIANÇA
NÃO É SÓ A LEMBRANÇA
DE UM VULTO FELIZ DE MULHER
QUE PASSOU POR MEUS SONHOS
SEM DIZER ADEUS
E FEZ DOS OLHOS MEUS
UM CHORAR MAIS SEM FIM
MEU CORAÇÃO VAGABUNDO
QUER GUARDAR O MUNDO
EM MIM

5.12.06

Cachorrada

Perdeu a dama, ganhou a lady,
mas continua um vagabundo...

27.11.06

Eu, tu, elas

(jogos de azar/amar)


Noves fora
perdi a dama

25.11.06

Fest fud?

Aêêê!!! É a festa do livro na universidade!!!

Compra ele, compra ela, compra até mulher banguela!
Na minha banca é mais barato! Mulher feia não paga, mas também não leva...

Promoção e pra mocinha! Desconto mínimo de 50%!!!

E numa banca disputadíssima tinha umas pirâmides.
Quem me levou foi a Olívia. Tinha A Montanha Mágica por trinta dinheiros.
Um rapaz já tinha feito o pedido. A Olívia também. Eu pedi uma pra mim.
A menina do outro lado da banca parecia confusa, era muita montanha junta.
E como o aquele negócio estava uma feira mesmo...

- Olha, são três montanhas mágicas e um grande sertão pra viagem!

- Tutaméia acompanha, senhor?

- Não, obrigado!

- Aqui está seu pedido. Algo mais?

- Hum... Pensando bem, me dá um corpo de baile.

(um picareta grita lá do fundo)

- Vai comer agora ou quer que embrulhe?

22.11.06

A prosa do povo

Foi no corredor de ônibus.
Parei ao lado do motorista
e tentei compartilhar do seu ponto de vista.
Era um ônibus novo, de piso baixo, eu ali ao lado.
Ignorei engenhocas para abrir e fechar as portas,
ignorei os retrovisores, o câmbio.
Eu olhava apenas pro ponto e,
sobre as faixas, os pedestres.
Lotados os corredores Rebouças-Consolação;
no Anhangabaú, aquela multidão...

18:15

Saltei na Sé e, com fome, corri pra lojinha do Ronald.
Subi até um salão tranqüilo.
Comi.
Não sei se foi o calor, não sei se foi a multidão
Só sei que meu paladar se foi.
Não tinha gosto, aquilo.

Uma amiga me falou
ao caminhar comigo um dia
pr'eu andar mais devagar
Perguntou: você tem pressa?
Eu respondi a ela que não tinha pressa alguma
Algum tempo depois ela me disse
- Caminhemos bem devagar...
Então, senti melhor o sabor que tem a vida.

Será que as pessoas no ponto
sobre as faixas de pedestres
no Anhangabaú ou na Sé
conseguem sentir o pé?
Será que dói? Sente calor?
Será que sente?
Sei não.
Só sei que tudo começou naquele mesmo busão
lendo ao lado do piloto um poema do Drummond
Tá no livro A rosa do povo: "Noite na repartição".

Será que falta uma frase aqui? Acho que não... Eu não quis fazer uma quadra, não quis fazer versos (não?!!!), não quis ser poeta. Só fiz soltar o verbo, rs...

15.11.06

É?

Pois comece brindando com este gitano e termine em seus braços aninhada. Como vida de pobre é toda em dó-maior, dividiremos o velho pão na grama do aterro observando as bandeiras se acenderem, bem como se acenderá uma lua oval da Esso. Ficarei no teu corpo feito tatuagem só pra te dar coragem de caminhar comigo em noite de lua nova. Tirarei do teu corpo as melhores melodias, que nos servirão de farol. Dia novo, falaremos a vida, ouvirei teu cheiro e, por que não?, aplaudiremos o pôr-do-sol no posto nove. Bêbados de sol e de sal, sopraremos a areia e cairemos na Vila, seja Isabel, Madalena ou Mariana. Então, brincaremos sob o abacateiro até que nos venham merecidos frutos, e te ensinarei a destelhar estrelas para cobrir de luz a sina dos meninos malabares nos faróis.

11.11.06

Então sonhei com um cabeludo com quem dialoguei durante muitos anos. Meus diálogos, na verdade, sempre foram monólogos. Só que desta vez o diálogo aconteceu, ainda que em minha vida-sueño. Ele me disse para não ficar aflito nem me perguntar o que comerei, o que beberei ou com que me vestirei. Agradeci.

Ele continuou. Disse que eu devia entrar pela porta estreita, porque larga é a porta que conduz à perdição. Então perguntei-lhe se porta larga e porta grande são sinônimos, mas ele não soube me responder. Olhou para mim daquele jeito que só ele sabe quando quer se tornar um espelho onde as pessoas costumam refletir seus medos, suas angústias, suas paixões.

Entre ansioso e excitado, argumentei que ele me disse uma vez que somos a luz do mundo e que por isso mesmo o sorriso dela iluminou o caminho escuro e dissipou meu medo. Ele me disse que eu estava interpretando o que ele disse de acordo com as minhas necessidades, que a coisa era mais complexa.

Disse a ele que a coisa talvez fosse mais simples do que ele dizia. E que ele mesmo sempre me pareceu muito mais simples do que me disseram aqueles que o estudaram. E que só a simplicidade poderia dar conta da complexidade do universo e daqueles que o complicam ainda mais.

Ele suspirou, abaixando a cabeça enquanto a balançava negativamente. Respirou fundo, ergueu a cabeça de novo, pôs a mão direita no meu ombro e disse:

- Caminhemos, pois!

10.11.06

Então ela me disse que não há caminho longo duro áspero o bastante
para quem caminha lado a lado

Porque há muitos caminhos e portas pelo mundo
havia mais de um até a porta grande

Não precisamos mais do que enxergar um deles
no meio da escuridão

Desnecessárias as palavras
Nossos pés é que nos disseram

Caminhemos, pois!

8.11.06

Procura-se

Cansado de esperar por uma resposta da Ana, Ricardo resolveu tentar de novo, mas não sabia por onde começar. Tinha plena consciência de que o mundo já havia mudado demais, estava certo de que não encontraria no bar no cinema na danceteria no parque a mulher que imaginava. Ricardo era mesmo um cara do século antepassado. Comprou o jornal de domingo e abriu o caderno de Classificados. Não se sabe o que foi, se uma conjunção astral, um lance de dados, obra do acaso, se foi tudo junto... Deu de cara com o seguinte anúncio:

"Meu nome é Gal e desejo me corresponder com um rapaz que seja o tal (...) E não faz mal que ele não seja branco, não tenha cultura, de qualquer altura eu amo igual (...) E tanto faz que ele tenha defeito ou traga no peito crença ou tradição (...) Eu amo igual."

Apesar de achar estranho ver um número de telefone no final do anúncio de alguém que queria se corresponder, Ricardo resolveu ligar. Sim, era mais uma mensagem de voz...

"Meu nome é Gal, tenho 24 anos. Nasci na Barra Avenida, Bahia. Todo dia eu sonho alguém pra mim. Acredito em Deus, gosto de baile, cinema, admiro Caetano, Gil, Roberto, Erasmo, Macalé, Paulinho da Viola, Lanny, Rogério Sganzerla, Jorge Ben, Rogério Duprat, Waly, Dircinho, Nando e o pessoal da pesada. E se um dia eu tiver alguém com bastante amor pra me dar
Não precisa sobrenome
Pois é o amor que faz o homem."
[ "Meu nome é Gal" (Roberto Carlos/Erasmo Carlos) ]

6.11.06

"Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver!"

3.11.06

Desabafo!

Porque ando de saco cheio de tanta gente ignorante falando sem nenhum conhecimento de causa, usando espaço nos jornais, revistas, internet e não sei mais o quê, para falar do controle de tráfego aéreo no brasil. É com bê minúsculo mesmo!

Aos blogueiros amigos que me visitam, perdoem a ausência. É que eu...


Chatterton
Ana Carolina
Composição: (Gainsbourg - Adpt: Seu Jorge / Dani Costa)

Sangue, Sangue,Sangue
Chatterton, suicidou
Kurt Cobain, suicidou
Getúlio Vargas, suicidou
Nietzsche, enloqueceu
E eu, não vou nada bem

Chatterton, suicidou
Cléopatra, suicidou
Isócrates, suicidou
Goya, enloqueceu
E eu, não vou nada nada bem

Chatterton, suicidou
Marc-Antoine, suicidou
Cleópatra, suicidou
Schumann, enloqueceu
E eu, puta que pariu, não vou nada nada bem

Puta que pariiiiiiiiiiiiiiiiuuuu!!!
Yeharrrrrrrrrrrrr!

1.11.06

Papo de bêbado...


Depois da décima quinta cerveja, vi umas figuras batendo papo na minha sala...

Neruda - Acontece que me canso de ser homem...

Vinícius - Acontece que sou triste.

Bandeira - Uns tomam éter, outros cocaína. Eu tomo alegria!

Quintana - Desconfia dos que não fumam: estes não têm vida interior, não têm sentimentos.

Drummond (me olhando de lado) - Êta vida besta...

28.10.06

Fingidor, eu?

Se isso aqui fosse um diário, eu diria que dormi mal por ter tido o sono interrompido por uma chamada no meio da madrugada, chamada que só o identificador do celular foi capaz de reconhecer pois nunca vi aquele número na vida; que estou apaixonado por alguém que conheço desde sempre, mas morro de medo de me pronunciar a respeito; que acordei às cinco da manhã pensando nela, mas tive que ir trabalhar; que consegui ser extremamente bem-humorado no trabalho, apesar do sono, da azia e dos atrasos em quase todos os vôos; que saí do trabalho satisfeito por ter cumprido minha missão; que me assustei com o dia lindo que encontrei no caminho de volta pra casa; que estava doido pra ouvir Cartola - como depois acabei fazendo; que fiquei espantado com a quantidade de (indi)gente(s) na Praça da Sé ouvindo o pastor; que fiquei impressionado com a possibilidade de relacionar esta última imagem com as canções de Cartola, a literatura indianista (ou indigenista?) e a minha cortante dúvida sobre desentranhar poesia da desgraça alheia (questão, talvez, ética e estética); que gostaria de escrever uma crônica a partir de qualquer uma dessas coisas, mas me senti incapaz de fazê-lo; que pensei a respeito de um diálogo que ouvi essa semana a respeito da imagem que criamos uns dos outros e a respeito de nós mesmos; que lembrei de uma pessoa ter dito que sou um cara decidido; que o Pessoa disse que "tudo vale a pena" e que "o poeta é um fingidor". Então lembrei: isso aqui não é um diário, e nem tudo é verdade.

O a(u)tor.

(eu hein!)

26.10.06

Morfológicas VI

(tarja preta)


Nossolexicomental

Indicações: ideal para criar imagens e expressões como "sorrir com os olhos"...

Contra-indicações: o mau uso deste medicamento pode nos levar a criar frases muitas vezes infelizes, do tipo "não é você, sou eu"...

25.10.06

Morfológicas V

Não, professora... Eu não sei por que as classes de palavras
são importantes para o processo de formação de palavras.

Aliás, existe luta de classes de palavras?
Se a resposta for positiva, desconfio que o verbo está no topo...

Então a professora pergunta o valor de x. Sim, o valor de x!
Olivia Maia propõe o problema:
todos os x pulam corda
todos os x estão estragados
todos os x merecem o céu
todos os x são cor-de-rosa
x = ?

Eu digo x = 2 segmentos de reta que se cruzam no ponto y.
Onde já se viu perguntar o valor de x?
Ou perguntar qual é a raiz da batata?!!!

Se eu quisesse estudar álgebra tinha prestado Matemática!

q.e.d., hehehe...


Ah! O blog da Olivia (breve na barra):
www.verbeat.org/blogs/forsit/

21.10.06

desejo fosse oração...

quero muito, quero tanto,
quero tudo em nosso lance.
só não quero nos tornar
personagens de romance.

20.10.06

bobagem sem título

Ele - E aí, tudo bem?

Ela - Tudo bem! E você?

Ele - Melhor agora! Você está encantadora!

Ela - (um calor nas faces, um sorriso vermelho, um suspiro agradecido...) Obrigada! (Mas quem esse cara pensa que é? Por que será que ele está me olhando? Deve dizer isso pra todas...)



Cuidado, meninos!
Ser gentil pode soar falso;
a sinceridade pode
fazer de você um canalha.

Atenção, meninas!
Quando eles disserem
o que vocês gostariam de ouvir
podem estar sendo verdadeiros.
(Mesmo porque nem todos
sabem o que vocês
gostariam de ouvir.)

Em todo caso...

"Veja como vem, veja bem
Veja como vem vai, vai, vem
Veja bem como vai vem
Veja como vai, veja bem
Veja bem como vem
Vai vem se ela vai também
Cuidado meu amigo
Não vá se estrepar
Não queira dar um passo mais largo
Que as pernas podem dar
Não se iluda com um beijo
Uma frase ou um olhar
Não vá se perder por aí... (3x)

Veja como vem...
Você é bem grandinho
Já pode se cuidar e
Ir seguindo o seu caminho
Sempre errando até um dia acertar
Mas não tenha muita pressa
Vá tentando devagar
Só não vá se perder por aí...
Não vá se perder por aí... (2x)"

(Não vá se perder por aí - Raphael Tadeu/Roberto Loyola)

15.10.06

"Você é prolixo, eu sou barroca"

(Uma sabiá...)



E agora não há palavra que nos revele. Só uma profusão de (in)significantes. Releve todas as horas à toa, doentes, ausentes. Pelo papel escorre o sangue derramado pelas pontas das canetas que rasgam nossa carne a cada palavra vomitada. Função de xis, ninguém quer saber mesmo. Não era esfinge nem medusa, mas queria saber o valor da hipotenusa. Tropicou na parlenda. "Na cabana da floresta / morava uma linda princesinha". O chão, já não sabia se de folhas ou estrelas. Afundou no frio do inferno só pra ver de perto. Instantâneo. Enlouquecido, correu para ter de volta o jardim florido. Passou da hora. O jardim já não é elétrico, só as cercas o são. Viu apenas amareladas palavras sobre a grama verde. Quis atravessar, ficou chocado. Outros tempos, vida bandida, ilusões perdidas. Completamente fora de hora. Você é duro. Não é. A festa acabou. Tira essa merda desse sorriso do caminho. Eu tenho a minha dor.

11.10.06

Morfológicas III

Desde que você entrou no meu quadro de pronomes pessoais,
deu-se em minha vida uma transformação sintática.

10.10.06

Ais a mais

Sofre ego
Sôfrego amo-te
a ti me amarro
Nó cego


Ver-te é verde veneno
meu desejo é extremo


Nem um medo nem um gesto
aturo tudo o que detesto
só pra ter você por perto


Não bastou sua boniteza
você tinha que entretecer
tristeza


Deixei cair uma gota de tinta sobre
o papel
Gota a gota pinguei protetora palavra:
véu.


Lavo bem todos os calos
triste calo
nosso amor escorreu pelo ralo


Nem com mil hai-kais
serias capaz
de apagar meus ais


[ Pensando "Ais ou menos", Leminski... Saravá! ]

...zzz...

Meia-noite. Não era o silêncio que invadia a sala o motivo do desconforto. Tudo correra muito bem, por sinal. A barriga cheia, a cama quente, o corpo quente, mas veio a sede. Sem pensar, sentou-se. Bocejou. O corpo cansado do sexo. Torpor de não querer levantar jamais. Já havia se sentado. Estava fácil. Os pés já esquentavam o chão. Bastava respirar fundo e levantar de uma só vez. Foi mais fácil do que pensava. Cruzando a porta do quarto percebi a hora morta. Nada. Parece que o mundo parou. Não chove, não ouço os bichos da noite, tampouco suas máquinas. Só silêncio. Atravesso o corredor pra beber água. Dois, três, cinco goles. Nem gatos, nem galos, nem corujas. Só a sensação de plenitude alimentando o desconforto. Sede saciada, caminho até a sala e abro a velha pasta onde encostados estão os textos que ninguém leu. Saco duas folhas de uma vez, daquelas que estão em branco. Faço um esforço enorme para pensar qualquer coisa que possa escrever nessa hora. Não é possível. O corpo está saciado. A mente com tudo mente. A retina é ferida pela luz que ilumina a mão esquerda empunhando a caneta azul. Só. Não há nada para além disso. Olho para o espaço em branco no papel e o desconforto se transforma em desespero. Quantas palavras serão necessárias para chegar ao final da folha e transferir para o papel essa tal saciedade, essa estúpida sensação de completude? Se ao menos eu conseguisse preencher todos os espaços em branco nesta folha, poderia me levantar, repousar a caneta, guardar os papéis, apagar as luzes e voltar para a cama. Feliz. Morto. Não conseguiu. Desistiu. Mirou as paredes brancas, vazias, cheias o suficiente. Coçou a cabeça maquinalmente. Percebeu que estava dormindo.

7.10.06

Não tem preço?

(samba do miolo-mole)

Um dos versos de "Sampa" nos diz que surge alguma coisa "da força da grana que ergue e destrói coisas belas", se é que eu entendi a letra. Pois bem. Diversos avanços foram conquistados, mas à custa de quê? Às custas de quem? Depois não adianta lamentar a materialização de personagens como o cobrador, de Rubem Fonseca.

Quanto custa manter um homem atrás das grades? E um adolescente? Mais importante que isso: quanto nos custará?

(Creio que são remotas as chances de surgir um santo neste mundo tanto... Aliás, surgir não é impossível; resistir é que deve ser difícil. É uma vocação que não recebe o menor estímulo neste mundo, onde santo é tonto. O único estímulo é à tal ingenuidade que nos impede questionar, duvidar, mesmo dialogar.)

Tenho a impressão de que já é muito mais caro do que criar condições para que cresça o número de pessoas que conseguem olhar para este país de maneira crítica, sem se contentar com a velha ladainha de país do futuro, sem esperar que ele deixe de ser o país do futuro - um não-lugar, se entendi o que dizem por aí.

Perdido em questões que não consigo ordenar, pois me faltam algumas ferramentas para isso, trago mais uma notícia de jornal, a fim de deixar ainda mais doido o samba deste crioulo de miolo mole. Sábado passado, dia 30/09, perambulava pelas ruas do bairro e parei diante de uma banca, atraído que fui pela capa do jornal "Agora - São Paulo":

OS ASSASSINATOS DO CORONEL E DO GARI

A reportagem fazia, para a Secretaria de Segurança Pública, uma comparação descabida: apontava as diferenças na investigação dos assassinatos de Ubiratan Guimarães (63, coronel e deputado) e Fábio Rangel Souza (27, gari). Passados 20 dias, o assassinato de Ubiratan havia sido reconstituído duas vezes, o de Fábio, nenhuma.

Então...
Quanto vale a vida?
Quanto vale a morte?
Quanto vale a liberdade?



Ingênuo que sou, me lembro logo do Bandeira...


Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.



(Escrevi tudo isso no dia 30/09. Não consegui elaborar mesmo, mas fiz questão de publicar essas questões, associações, devaneios. Acho que ando meio sem freio. Efeito do filme desta manhã: "O jardineiro fiel". Puto por não saber o que se passa na África. Ponto.)

5.10.06

O olha-dor

Interrompeu a aula a contragosto. Tudo corria bem até ligarem um microfone diante do prédio. O que será que os alunos estão aprontando dessa vez? Tentou ignorar o barulho. Você! Sim... Você de blusa azul. Leia a parte do repórter. E você de vermelho. Quem, eu? Sim, você! Leia a parte do assassino. Palmas do lado de fora do prédio. O professor respirou fundo e pediu que continuassem a leitura. "É necessária muita cautela para chegar a alguma verdade quando se trata de atos humanos. Não acredito em causas isoladas ou muito precisas. Mas eu, mais do que todos, estou interessado, a respeito desse caso todo, em chegar a uma verdade pelo menos relativa." Palmas lá fora. Ele baixou a cabeça durante trinta segundos até o silêncio. O coração não parava quieto. "Não exatamente, embora o ódio também existisse latente, como sempre acontece em relações desse tipo." Vaias terríveis fizeram-no estremecer. Disfarçou o desejo de esmurrar a mesa com um jeito estranho de coçar a cabeça. Por quê esses malditos alunos não estão na sala de aula? Ordenou: continuem! "Não, eu não estou louco. Estou certo de que o que se passa em minha mente, em toda mente humana, é natural a ela e passível de ser entendido por todas as mentes." Então, o som dos tambores invadiu o corredor. Tudo o que ele gostaria de fazer era esganar um por um. O coração disparou em bombas e ele se rendeu. Ok! Terminou a aula cedo. Eu não sabia mais o que fazer. Desmontei. Quando vou aprender a lidar com essas pessoas? Vivem fazendo perguntas que não estou disposto a responder. Querem me questionar como se eu fosse o cânone! Mirou a sala vazia até que os tambores tivessem se afastado. Deixou a sala, mas não estava sozinho. O vazio foi sua companhia em cada um dos dezoito degraus da escada, através da porta de acesso e durante os doze minutos em que permaneceu sentado no banco em frente ao prédio. Esses alunos não entendem nada... Já não era ódio. Era indiferença.


[ Citações do conto "O monstro", de Sérgio Santana ]

Só pra lembrar que é primavera...

"Olha, está chovendo na roseira,
Que só dá rosa, mas não cheira
A frescura das gotas úmidas
Que é de Luiza, que é de Paulinho
Que é de João, que é de ninguém

Pétalas de rosa carregadas pelo vento
Um amor tão puro carregou meu pensamento
Olha, um tico-tico mora ao lado
E passeando no molhado
Adivinhou a primavera
Olha, que chuva boa, prazenteira
Que vem molhar minha roseira
Chuva boa, criadeira
Que molha a terra, que enche o Rio
Que limpa o céu, que traz o azul

Olha, o jasmineiro está florido
E o riachinho de água esperta
Se lança em vasto rio de águas calmas
Ah! Você é de ninguém
Ah! Você é de ninguém"


"Chovendo na roseira", de Antonio Carlos Jobim.
Disponível nas vozes de Elis Regina e de Edu Lobo.

3.10.06

Sem tido!

Era menino demais para entender tudo aquilo. Calcanhares colados, mãos espalmadas, dedos unidos, um vento frio, a chuva vindo, a juventude e o prazer de viver se esvaindo. Coturnos, casacos e os cascos dos cavalos deixaram sua alma em cacos. A frente fria avançava anunciando a batalha. Tempo truncado, tudo escuro. "Antes que o galo cante duas vezes...". Não precisou. Antes, a coruja piou. O medo outrora oculto revelou-se. Borrou-se. Então, mirou a frase defeito: "os covardes nunca tentaram, os fracos ficaram no caminho, só os fortes conseguiram". Engoliu a seco o gosto azedo. O menino teve de matar, o menino. Não entendia nada. Apenas sonhava com um futuro esquecido no bairro escondido, país longínquo onde pecado era deixar de pular o muro para jogar bola, soltar pipa, andar de skate, tomar sorvete e mascar chiclete. Ao sonhar, tornava claro o escuro. Até o dia em que seu sol entrou em Saturno.



Música Incidental: Mamãe eu não queria (Raul Seixas)

"Larga dessa cantoria menino
Música não vai levar você lugar nenhum"
Peraí mamãe, güenta aí...

Mamãe, eu não queria
Mamãe, eu não queria
Mamãe, eu não queria
Servir o exército...

Não quero bater continência (Trá-lá-lá-lá)
Nem pra sargento, cabo ou capitão (Trá-lá-lá-lá)
Nem quero ser sentinela, mamãe
Que nem cachorro vigiando o portão
Não!

Mamãe, eu não queria...

Desculpe, Vossa Excelência
A falta, a falta de um pistolão
É que meu velho é soldado
E minha mãe pertence ao Exército de Salvação
Não!

Mamãe, eu não queria...

Olha as crianças:
"Marcha soldado, cabeça de papel
Se não marchar direito vai preso pro quartel!"

Mamãe, eu não queria...

Sei que é uma bela carreira
Mas não tenho a menor vocação
Se fosse tão bom assim mainha
Não seria imposição
Não!

Mamãe, eu não queria...

"Você sabe muito bem que é obrigatório
E além do mais você tem que cumprir com seu
dever com orgulho!"
Mamãe eu não queria!

"Você sabe muito bem que é obrigatório
E além do mais você tem que cumprir com seu
dever com orgulho e dedicação!"
Mamãe eu morreria!
"Pela causa meu filho, pela causa!"

Mamãe, eu não queria!
Mamãe! Mamãe eu... eu...

30.9.06

Primeiro de Outubro

Tanta gente inteligente escrevendo a respeito de política, eleições, dossiês e mensalões... Fico até tímido. Vou tentando entender as coisas que acontecem à nossa volta, buscando transformar minha perplexidade em atitudes coerentes e eficientes.
Conversei com alguns amigos sobre política nos últimos dias. Sempre que me perguntavam sobre meu voto, eu diza: indeciso. Mea culpa. Demorei demais a realizar o esforço de entender o cenário político e avaliar as propostas dos candidatos, por mais desacreditados que estes possam estar.
As palavras de Ruy Fausto, publicadas na Folha de São Paulo da última sexta-feira (29/09), amenizaram o incômodo que senti por saber apenas "por alto" dos escândalos de corrupção excessivamente abordados pela mídia. Ele escreveu:

"... tentei fazer um balanço das razões que poderiam nos levar a votar em cada um dos candidatos e das razões que nos impedem de votar neles. Acho que estas últimas são, em geral, mais fortes do que as primeiras."

Não há muito mais a comentar. Mesmo porque já disseram muito a respeito, e de um jeito que eu gostaria de ter competência para fazer. Por isso procuro usar este espaço para refrescar nossa memória. Só pra ficar provado que está tudo fora do lugar e que pouca coisa mudou.

Onde Está a Honestidade?
Noel Rosa (1910 - 1937)

Você tem palacete reluzente
Tem jóias e criados à vontade
Sem ter nenhuma herança ou parente
Só anda de automóvel na cidade...

O seu dinheiro nasce de repente
E embora não se saiba se é verdade
Você acha nas ruas diariamente
Anéis, dinheiro e felicidade...

Vassoura dos salões da sociedade
Que varre o que encontrar em sua frente
Promove festivais de caridade
Em nome de qualquer defunto ausente...

E o povo já pergunta com maldade:
Onde está a honestidade? Onde está a honestidade?



Luiz Gonzaga (1912 - 1989)

"Ê, sertão! Sertão das futricas... Sertão dos políticos, ha! Políticos enganadores, hein deputado? (A pergunta foi para Armando Falcão, que estava presente). A gente chega neles assim nos comícios... 'Dia três todo mundo lá!'. Todo mundo lá... Ninguém sabe em quem votou, hehehe... Sabedoria alheia: 'não voto nesse homem não que ele é rico...'.
Vai votar em quem, Pedro? No coroné.
E pra deputado? É no coroné.
Pra senador? É no coroné!
Pra prefeito? Coroné...
Pra presidente da república? É no coroné!
Hehe! O que vale é que os coronéis perderam cartaz. Hoje não tem mais esse negócio de coronelismo. Coroné hoje é coroné mesmo! Mas eu dou viva ao sertão, ê... Sertão das políticas! Das futricas! Sertão dos cabra valente! E dos cabra frouxo também..."

[ Fala de Luiz Gonzaga no intervalo entre duas músicas que ele cantou no show "Volta pra curtir", realizado no Teatro Tereza Rachel (RJ) em 1972 ]


O Eleito
Lobão ( 1957 - )

Ele é esperto e persistente
Acha que nasceu pra ser respeitado
Ele é incerto e reticente
Acha que nasceu pra ser venerado
O palácio é o refúgio mais que perfeito
Para os seus desejos mais que secretos
Lá ele se imagina o eleito
Sem nenhuma eleição por perto

Seus ternos são bem cortados
Seus versos são mal escritos
Seus gestos são mal estudados
A sua pose é militarista
Ele se acha o intocável
Senhor de todas as cadeiras
Derruba tudo pra ficar estável
Ele não está aí para brincadeira

E o tempo passa quase, quase parado
E eu aqui sem a menor paciência
Contando as horas como se fossem trocados
Como se fossem contas de uma penitência
E tudo, tudo parece estar errado
Mas nesse caso o erro deu certo
Foi o que ele disse ao pé do rádio
Com a honestidade pelo avesso

Ele é o esperto, ele é o perfeito
Ele é o que dá certo, ele se acha o eleito

Desaparecido

Um pedaço de mim ficou no Rio,
outro em Brasília, outro em Manaus.
Meu corpo não resistiu ao cansaço da semana
e desabou na cama, mas minha mente ficou perdida
no fundo da mata escura ao sul da Serra do Cachimbo.

27.9.06

amorideal

"Amar é transformar o outro em nosso ideal, para a psicanálise"
Contardo Calligaris

"O amor ideal precisa da distância"
idem

"Os ideais são como as estrelas: nunca as alcançaremos.
Porém, assim como os marinheiros em alto mar,
traçaremos nosso caminho seguindo-as."
Jean Paul Sartre


Aprender a amar, a sofrer por amor, não é tão grande coisa.
Isso a sociedade, através da televisão, dos livros, do cinema,
ensina. Tudo errado, é verdade, mas ensina.
Difícil mesmo é se deixar amar,
aprender a ser amada(o).


Música Incidental: Nature Boy (Eden Ahbez)
There was a boy
A very strange enchanted boy
They say he wandered very far, very far
Over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he
And then one day
A magic day he passed my way
And while we spoke of many things
Fools and kings
This he said to me
"The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return"

26.9.06

Resumo de Ana

Ela deixou cair as chaves. Afundou no sofá. Tão aconchegante era, adormeceu. Caiu na toca do coelho e viu uma linda menininha perdida em sua meninice. Seu nome era, já não se lembra mais. Ali se via brincando, com mil picolés, batons, bambolês, na fila do algodão doce aguardando sua vez, brincando de pega-pega, queimado, esconde-esconde. Até o dia em que beijou a maçã do amor. Os dentes pequenos, sensíveis, temiam quebrar a casca. Esta se quebrou mesmo no dia em que um menino lhe roubou um beijo. Assustada, deixou cair no chão a maçã. A vida nunca mais teve o mesmo gosto. Passou rápido pelas perdas, desilusões, castelos de areia. Uma tarde na praia, cenário fabuloso, como é gostoso, mãos, braços, pernas-pra-que-te-quero, corre pra água, praia deserta, ainda havia essa liberdade. O tempo passado, com ele a idade, um mundo virado, o sono ficando agitado. Um barulhinho longe, crescente, renitente. O silêncio de repente. Despertou como se uma voz a estivesse chamando. Era a secretária eletrônica. Passos incertos, etilizados, a cabeça nas cinzas dos cigarros. Play.

"Meu bem, meu bem / Você tem que acreditar em mim / Ninguém pode destruir assim / Um grande amor / Não dê ouvidos à maldade alheia, e creia / Sua estupidez não lhe deixa ver / Que eu te amo / Meu bem, meu bem / Use a inteligência uma vez só / Quantos idiotas vivem só / Sem ter amor / E você vai ficar também sozinha, eu sei porquê / Sua estupidez não lhe deixa ver / Que eu te amo / Quantas vezes eu tentei falar / E no mundo não há mais lugar / Pra quem toma decisões na vida / Sem pensar / Conte ao menos até três / Se precisar conte outra vez / Mas pense outra vez / Meu bem, meu bem, meu bem, eu te amo / Meu bem, meu bem / Sua incompreensão já é demais / Nunca vi alguém tão incapaz / De compreender / Que o meu amor é bem maior que tudo que existe / Mas sua estupidez não lhe deixa ver / Que eu te amo / Tanto"

Biiiiiiip....

(Sua estupidez - Roberto e Erasmo)

25.9.06

o tempo nosso de cada dia...

Já não me lembro do dia em que resolvemos marcar o tempo. Vivo sob seus efeitos. Quase não sobra. E o que fica? Amar às pressas? Não, não temos tempo. Para fazer samba e amor até mais tarde não é preciso ser preguiçoso nem covarde. É preciso coragem. Ter a medida das coisas. Não de todas as coisas, porque não há tempo pra isso. É ter a medida daquilo que é importante na própria vida. Não lembro. Não sobra. Não temos. Não.

"Entre o sim e o não existe um vão." Itamar Assumpção

Sim, gosto de tomar umas cervejas com meus amigos. Pode levar tempo, sim, mas sempre consigo encontrar alguém para conversar, falar da vida, suspirar disfarçadamente. Cinema? Sim, a gente faz o possível. Sim, porque tudo é possível, tudo a seu tempo. Por falar em tempo... Sim, eu faço samba e amor até mais tarde. Por isso vivo com sono.



"Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
E não há tempo que volte amor
Vamos viver tudo o que há prá viver
Vamos no permitir"
(Tempos modernos - Lulu Santos)

24.9.06

à primeira vista

vela...
vela...
vela...

Vê-la!


___________________________________________________________________


Dançar
Tom Zé
Composição: Tom Zé

Dançar escreve
Um traço leve
O verbo de Deus be-a-bá

A pele tensa
Papel-imprensa
O pergaminho do jaguar

Para pisar
Golpes de ar
Desambaraçam-se linhas

Alinhavar
Paixões e ais
Diagonais agonias

Ô menina que dança se
Você for
PernambuCatarinAmaraliNatal
Também vou

Ô menina que dança se
Você for
Que'sse cané de ou certá namô
Também vou

Andar com meu pé eu vou
Que o pé se acostuma a dançar

23.9.06

Trampolim

(Caetano Veloso/Maria Bethânia)

Sem olhar, sem respirar
Sem rir, sem pensar, sem falar
Só te provo um lugar
Qualquer piscina ou mar de
Amaralina
O amor não é mais do que o ato
Da gente ficar
No ar, antes de mergulhar
Antes de mergulhar

Dance, dance, cante, cante
Muito alto, sem medo de tudo
De nada, sem medo de errar
Vejo uma boca vermelha galhar
A paixão não é mais do que o ato
Da gente ficar
No ar, antes de mergulhar
Antes de mergulhar

(Álbum da Bethânia recém-relançado: DRAMA/ANJO EXTERMINADO)

21.9.06

"A melancia pode abrir seu coração"

A melancia e qualquer outro filme que te permita um olhar diferente sobre o mundo, o amor, o desejo, os relacionamentos. Dois filmes nos últimos dez dias. "Amor à flor da pele" e "O sabor da melancia". O primeiro, do diretor Wong Kar Wai; o segundo, do Tsai Ming-Liang. Dois links para saber mais a respeito:

http://www.geocities.com/contracampo/wongkarwai.html

http://www.omelete.com.br/cinema/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=3287


Tal qual minha amiga Amato (http://www.julianamato.zip.net), precisei de um tempo pra voltar à baila, recuperar o tato. Para ser exato, foi o tempo de uma cerveja e três cigarros. Nessas horas... Porra, a gente pensa cada coisa! Pensa que pensa... Ou pensa que pensa! E inventa várias besteiras. A lojinha de doces (?) logo em frente me fez lembrar de Caio Fernando Abreu. Daí saiu outro pseudo-poema, rs...


Amor aos Pedaços

A vida é torta, mas não é um bolo trufado.
É um morango mofado.


E, por enquanto, é isso. Quanto vale o terceiro cigarro? Quanto vale o show?
(Isso aqui não é programa de televisão nem propaganda de cartão de crédito...)

20.9.06

Foram os astros, lógico!

"Todo dia de manhã, antes mesmo do café abrir o jornal
todos nas folhas 18, ver os caminhos que se lhe determina o astral
Finanças, amor, saúde, o que devo fazer no relacionamento pessoal
Qual a pedra, a cor, a flor, a cueca, a calça, a camisa,
O meu comportamento geral

'As desavenças dentro do lar serão nefastas à vida profissional. Não ouça o conselho de amigos pois todos irão te fazer muito mal. Um novo fato na vida complicará teu campo sentimental. Cansaço, perturbações, complicações nesse período atual.'

Não faça, não saia, não fume, não fale, não coma, não durma, não coma, não fale nada afinal.
Em todos os trinta diários, revistas e folhas
E o rosto ficando vermelho e o suor
O garfo caindo da mão
O leite sujando o chão
O nó na garganta e o pior
Fazem já mais de dez anos
Sentado calado abobado
Sem mexer sequer o olhar

Logo no dia em que a Terra na casa maior de Netuno em função com PLUTÃO
Regida por Vênus que emana os raios da força contra esse mal
Banhada pela luz da lua em quarto-crescente paixão
Prenuncia uma fase repleta de bêncãos
A catatonia integral"

("Catatonia Integral" - Gonzaguinha - do álbum Plano de Vôo)

19.9.06

"You must remember this..."

"Rick - No fundo, sabemos que seu lugar é com o Victor. Você é parte do trabalho dele. Se o avião partir e não estiver com ele, se arrependerá. Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas logo. E pelo resto de sua vida.

Ilsa - E quanto a nós?

Rick - Sempre teremos Paris. Nós a tínhamos perdido até você vir a Casablanca. Nós a recuperamos ontem à noite.

Ilsa - Quando eu disse que nunca o abandonaria.

Rick - E nunca abandonará. Mas também tenho um trabalho. E aonde vou, não pode seguir. Do que farei, não pode participar. Não sou nobre, mas é fácil ver que os problemas de três pessoas não contam muito neste mundo louco."


"You must remember this
A kiss is just a kiss, a sigh is just a sigh.
The fundamental things apply
As time goes by."

18.9.06

Morfológicas II

(Pseudo-poema interativo.)


SANTO
cinco letras
quatro fonemas

[uma vida repleta de vícios]

[uma vida inteira de sacrifícios]

[uma biografia cheia de artifícios]

15.9.06

Secretária Eletrônica

Ricardo acordou tarde. Olhos cansados de olhar e não ver preferiram ficar no escuro. O som da rua não incomodava. Ainda. Vinha. Primeiro o cachorro da vizinha latindo lá longe no fundo do corredor. Uma. Duas. Três vezes. Parecia preparação. Ganhou o corredor a distância encurtou encurtando o latido aumentando o cachorro correndo latindo crescendo as patas sobre a cama um latido no ouvido. Fez força para que se mantivessem cerradas as pálpebras. Por isso não via. Já ouvia, contudo, todo o som da rua. Uma buzina aqui, outra acolá, uma sirene se aproximando vindo da rua de cima desce a ladeira invade o quarto e passa. E se afasta. Vai longe. Se esconde. Se apaga. Ele se concentra tentando relaxar e inspira profundamente. Prende o ar. Está pronto para suspirar. Táratátá o tempo não pára uma britadeira que invade o seu quarto quer suspirar os olhos fechados cerrados trancados esquece o suspiro e quer gritar!!! Gritou. Sentiu-se aliviado. Logo a lembrança de Ana se instalou. Mesmo sem querer olhar, olhou. A imagem dela se impôs. Incapaz de não olhar, preferiu não ver. Três respirações profundas e abriria os olhos. Um... dois... três... O canto do bem-te-vi atravessou a janela como se ela não fosse. Chorou. Copiosamente. Trinta minutos mais tarde já era tarde demais. Não quis saber as horas até tocar o telefone. "Bom dia! Você tem uma nova mensagem na sua secretária digital. Para ouvir sua mensagem aperte a tecla estrela; para desligar, digite seis". O coração disparou. Olhou em volta como procurasse coragem para tentar qualquer coisa diferente de. Apertou a tecla estrela. "Primeira nova mensagem. Mensagem recebida hoje às três horas e quarenta e cinco minutos". Um barulho de agulha riscando o vinil.

"Primeiro você me azucrina, me entorta a cabeça
Me bota na boca um gosto amargo de fel
Depois vem chorando desculpas, assim meio pedindo
Querendo ganhar um bocado de mel
Não vê que então eu me rasgo, engasgo, engulo
Reflito e estendo a mão
E assim nossa vida é um rio secando
As pedras cortando e eu vou perguntando: até quando?

São tantas coisinhas miúdas, roendo, comendo
Arrasando aos poucos com o nosso ideal
São frases perdidas num mundo de gritos e gestos
Num jogo de culpa que faz tanto mal
Não quero a razão pois eu sei o quanto estou errada
O quanto já fiz destruir
Só sinto no ar o momento em que o copo está cheio
E que já não dá mais pra engolir

Veja bem, nosso caso é uma porta entreaberta
Eu busquei a palavra mais certa
Vê se entende o meu grito de alerta
Veja bem, é o amor agitando meu coração
Há um lado carente dizendo que sim
E essa vida da gente gritando que não"

Era um "Grito de Alerta" interpretado por Maria Bethânia...

14.9.06

Baviera 12/09

Declaração do Papa Bento XVI na data acima referida
e veiculada pelo jornal O Estado de São Paulo:

"Sem Deus as contas não fecham para o homem, o mundo e o universo."

Hum... Agora estão explicadas nossas angústias,
o aquecimento global e a suposta expansão do universo.



Agora, cá entre nós: Ele bem que podia aparecer e me emprestar
uma grana pra eu conseguir fechar minhas contas este mês...

13.9.06

Pra não dizer que eu não falei de flores...

"Olhei até ficar cansado de ver os meus olhos no espelho
Chorei por ter despedaçado as flores que estão no canteiro
Os punhos e os pulsos cortados e o resto do meu corpo inteiro
Há flores cobrindo o telhado e embaixo do meu travesseiro
Há flores por todos os lados há flores em tudo que eu vejo
A dor vai curar essas lástimas
O soro tem gosto de lágrimas
As flores têm cheiro de morte
A dor vai fechar esses cortes
Flores, flores...
As flores de plástico não morrem"
(Titãs)

12.9.06

Você é feliz?

Deu no jornal Folha de São Paulo do último domingo (10/09):

"Pesquisa Datafolha realizada com 7724 pessoas em 349 municípios do país mostra que 76% dos brasileiros se consideram felizes. (...) Questionados sobre o estado de espírito dos brasileiros em geral, porém, só 28% dos entrevistados disseram vê-los como felizes. O economista Eduardo Giannetti (...) não vê contradição. Segundo ele, as pessoas olham para 'dentro de si' ao responder à primeira pergunta e para condições objetivas (emprego, segurança) na segunda."

Acho que Ovídio não foi ouvido:
"É preciso sempre esperar o último dia de um homem, e ninguém pode ser declarado feliz antes de sua morte e de seus funerais, que põem fim a tudo."

Cara durão esse tal de Ovídio...

Acho que prefiro acreditar que a felicidade não existe. Existem momentos felizes. Ou, como diria minha amiga Raquel, existem pequenos momentos perfeitos.


Música Incidental: A felicidade (Tom Jobim e Vinícius de Moraes)

Tristeza não tem fim
Felicidade sim
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor
A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta feira
Tristeza não tem fim
Felicidade sim
A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar
A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite
Passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Prá que ela acorde alegre como o dia
Oferecendo beijos de amor
Tristeza não tem fim
Felicidade sim

11.9.06

Preciso escrever sobre isso!

Interrompo uma vez mais a transcrição das minhas loucuras para contar uma experiência muito gostosa que tive na noite de ontem. Estive no Sesc Pinheiros para assistir a um dos melhores shows da minha vida. O negócio foi mais ou menos assim:

Jards Macalé - Luiz Melodia - Lanny Gordin - Orquídeas do Brasil

Todos esses talentos reunidos no mesmo palco. Queria muito que outras pessoas estivessem presentes, amigos, parentes. Apesar disso, a presença talvez não fosse questão - uma amiga assistiu ao show pela terceira vez e certamente teve uma experiência diferente. Eu queria apenas dividir a mesma emoção, só isso. Emoção de ver/ouvir músicas/canções que, até então, só conhecia através dos discos. Ouvir ao vivo versos do tipo:

"na sala numa fruteira / a natureza está morta / laranjas, maçãs e pêras / bananas, figos de cera / decoram a noite torta / sob a janela do quarto / a cama dorme vazia / encaro nosso retrato / sorrindo sobre o criado / no meio da noite fria / está pingando o chuveiro / que banho mais apressado / molhado caíste fora / no espelho minh'alma chora / lá fora está tão gelado / sozinha nesta cozinha / em pé eu tomo um café / na pia a louça suja / me lembra da roupa suja / no tanque que a vida é"
(Noite Torta - Itamar Assumpção)

"Silêncio, por favor, enquanto esqueço um pouco a dor do peito
Não diga nada sobre meus defeitos
Eu já nem lembro mais quem me deixou assim
Hoje eu quero apenas uma pausa de mil compassos
Para ver as meninas e nada mais nos braços
Só esse amor assim descontraído
Quem sabe de tudo não fale
Quem sabe nada se cale
Se for preciso eu repito
Porque hoje eu vou fazer
A meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito."
[ Para ver as meninas - Jards Macalé (Composição: Paulinho da Viola) ]

"Tente passar pelo que estou passando
Tente apagar este teu novo engano
Tente me amar pois estou te amando
Baby, te amo, bem sei que te amo
Tente usar a roupa que estou usando
Tente esquecer em que ano estamos
Arranje algum sangue, escreva num pano
Pérola Negra, te amo, te amo
Rasgue a camisa, enxugue meu pranto
Como prova de amor mostre teu novo canto
Escreva num quadro em palavras gigantes
Pérola Negra, te amo, te amo
Tente entender tudo mais sobre o sexo
Peça meu livro querendo eu te empresto
Se intere da coisa sem haver engano
Baby te amo, nem sei se te amo"
(Pérola Negra - Luiz Melodia)


Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça!

Aproveitando a viagem e atendendo a um pedido da amiga Thais Polimeni, vou escrever seis coisas sobre mim. Não pretendo fazer isso novamente por aqui. Busquei palavras próprias, mas sempre apelo para palavras de outras pessoas. Acho positivo até certo ponto porque é através da relação com as outras pessoas que nos tornamos o que somos - e sempre nos transformamos.

Lá vai:
- Sou apenas um rapaz latino-americano devendo no banco;
- Louco por discos e livros;
- Sujeito a chuvas e trovoadas;
- Cheio de dúvidas, é verdade;
- Como todo ser humano, cheio de vontades;
- Mas que escreve por sentir tal necessidade.

Tenho dito.

10.9.06

Girou a chave, a maçaneta, bateu a porta atrás de si. Caminhou pelo corredor à procura de certezas. Viu as pilhas de jornais e revistas, os discos que tanto aprecia, a estante cheia de livros, pálidos ou não. E viu que tudo era bom. O motor da geladeira voltou a funcionar. Era o convite que faltava. Abriu a porta e uma lata de cerveja apareceu em sua mão. Não era possível voltar atrás. Cada movimento o deixava cada vez mais perto da morte. Invariavelmente. O primeiro gole teve um sabor amargo como o primeiro trago no cigarro daquela madrugada fria. Dez graus de calor insuficiente. Bastou. Dormiu sobre os papéis carregados de poesia, cartas de amor que ela jamais leria, mas que ele insistia em escrever. Então sonhou. Tão verdadeiro foi o sonho que. Testemunha do maior dos antagonismos. Vida e morte se casaram num cartório à beira estrada. A paixão promoveu a cerimônia mas quem a celebrou foi a esperança. Desligou todas as travas e derrubou barreiras, apesar das palavras de advertência. Tinha plena consciência de que não precisava saber pra onde, só precisava ir. Mas na hora K, não foi. Todas as placas se impuseram no momento decisivo: respeite a sinalização, proibida a ultrapassagem, sentido obrigatório, dê a preferência, reduza a velocidade... E todas passavam por ele cada vez mais depressa mas tão depressa que ele já não conseguia decifrá-las. Acordou aflito. Levantou contrariado. Nada daquilo aconteceu de verdade. Mesmo em sonho, era perseguido pelo princípio da realidade. E viu que isso não era bom.

9.9.06

Retorno de Ricardo

- Alô?

- Oi, Ana! Sou eu, Ricardo.

- Ouviu "Rádio Blá"?

- Ouvi.

- E aí?

- E aí.

- Como assim "e aí."?

- "E aí?" não significa nada, já pensou nisso?

- Não. E daí?

- Chega, Ana... Cansei desse blá-blá-blá...

- Então tá.

- Quer saber mesmo? Pra mim você tem medo.

- De quê?! De você?

- Não. Medo de viver. Medo de ser feliz. Vai ouvir Infinita Highway, depois a gente se fala.

- Mas Ricardo...

- Tchau!




Infinita Highway - Engenheiros do Hawaii
Composição: Humberto Gessinger

Você me faz correr demais os riscos dessa Highway
Você me faz correr atrás do horizonte dessa Highway
Ninguém por perto, silêncio no deserto,
Deserta Highway
Estamos sós e nenhum de nós sabe exatamente onde vai parar
Mas não precisamos saber pra onde vamos, nós só precisamos ir
Não queremos ter o que não temos...
Nós só queremos viver
Sem motivos, nem objetivos, estamos vivos e isso é tudo
É sobretudo a lei da Infinita Highway...
(...)
Eu vejo o horizonte trêmulo, eu tenho os olhos úmidos
Eu posso estar completamente enganado
Eu posso estar correndo pro lado errado
Mas "a dúvida é o preço da pureza"
E é inútil ter certeza
Eu vejo as placas dizendo não corra, não morra, não fume
Eu vejo as placas cortando o horizonte
Elas parecem facas de dois gumes

A minha vida é tão confusa quanto a América Central
Por isso não me acuse de ser irracional
Escute, garota, façamos um trato
Você desliga o telefone se eu ficar muito abstrato
Eu posso ser um Beatle, um beatnik ou um bitolado
Mas eu não sou ator, eu não tô à toa do teu lado
Por isso garota, façamos um pacto de não usar a Highway pra causar impacto

110, 120, 160,
Só pra ver até quando o motor agüenta
Na boca em vez de um beijo um chicle de menta
E a sombra do sorriso que eu deixei..."

8.9.06

Amizade nos tempos do Orkut

Avenida Paulista. A noite de quarta invadiu a madrugada do sete de setembro. Uma da manhã. Dez graus. Perto da esquina com a Campinas, dois rapazes sentados lado a lado, dividindo um fone de ouvido. Um deles olhava para o outro lado da rua. Ou para a terceira margem da pista. O outro se empolgava e batucava na perna o ritmo da música. Nada mais importava: a madrugada gelada, o pouco trânsito, o feriado, tampouco os transeuntes. Estavam ali, mas noutro lugar. Lugar de sonho, liberdade, amizade.




Por falar em amizade, aqui vai um pouco do que já falaram sobre amizade. Domínio público.

* A amizade multiplica as alegrias e divide as tristezas.
* Amizade que envelhece não morre.
* Boa amizade, segundo parentesco.
* Na necessidade se prova a amizade.
* O interesse é o carrasco da amizade.

E já foi dito também que:

* Amigo de mesa nem sempre é de firmeza.
* Amigo é irmão escolhido por nós.
* Amigo diligente é melhor que parente.
* Nem todo irmão é amigo, mas todo amigo é irmão.
* O tempo mostra o amigo.

Só mais cinco...

* A sorte faz os parentes, os amigos faço eu.
* Bons amigos, bons conselhos.
* Conhece-se um homem por seus amigos.
* Livros e amigos, poucos e bons.
* Muitos amigos em geral, e um, em especial.

6.9.06

E naquela ligação...

(Ana tenta uma resposta)

- Olha, Ricardo: se você tem uma vontade que não passa, talvez seja melhor consultar um médico. Você já pensou em fazer análise?

- Ana! Pode parar por aí! Você sabe que não gosto desse negócio...

- Tá bom, tá bom... Não precisa falar desse jeito. Só estou tentando ajudar...

- Então por que você não vem? Ou me deixa passar aí. Eu te pego e a gente conversa um pouco.

- Ricardo, faz o seguinte: liga pra um amigo seu, toma uma cerveja, bate um papo. Depois a gente se fala. Pode ser?

- Vai adiantar alguma coisa se eu disser que não?

- Olha... Você já ouviu falar do Lobão?

- Já. O que tem ele?

- Procura uma música dele chamada "Rádio Blá". Essa vontade que você diz sentir pode ser outra coisa. Vai ouvir esse som, pensa bem no que você acha que está sentindo e depois me liga.

- Mas Ana...

- Beeeijo, tchau!



* Rádio Blá - Lobão
(Composição: Lobão/Arnaldo Brandão/Tavinho Paes)

Ela adora me fazer de otário
Para entre amigas ter o que falar
É a onda da paixão paranóica
Praticando sexo como jogo de azar
Uma noite ela me disse "quero me apaixonar"
Como quem pede desculpas pra si mesmo
A paixão não tem nada a ver com a vontade
Quando bate é o alarme de um louco desejo

Não dá para controlar, não dá
Não dá pra planejar
Eu ligo o rádio
E blá, blá... blá, blá, blá, blá
Eu te amo

Sua vida burguesa é um romance
Um roteiro de intrigas
Pra Fellini filmar
Cercada de drogas, de amigos inúteis
Ninguém pensaria que ela quer namorar
Reconheço que ela me deixa inseguro
Sou louco por ela e não sei o que falar
O que eu quero é que ela quebre a minha rotina
Que fique comigo e deseje me amar.

5.9.06

Dúvidas Divididas

Depois de catar feijão mais de uma dúzia de vezes ao som de bambas do samba como Cartola, Carlos Cachaça, Paulinho da Viola - e de intérpretes maravilhosas como Clara Nunes e Elizeth Cardoso, resolvi trocar a trilha sonora. Sim... Catei feijão ouvindo Velvet Underground.
Curioso. Tantas coisas me ocorreram naqueles minutos...
Quando vai esquentar, meu Deus?
Será que o Lula ganha mesmo?
Quando vai acontecer o próximo ataque do PCC?
Vou conseguir estudar no feriado?
Será que tranco aquelas três matérias?
E as perguntas da Palena?
E aquelas do Itamar Assumpção?

Stop. Open. Tira o Velvet. Põe o Itamar. Close. Play.

SAMPA MIDNIGHT
isso não vai ficar assim

"Prezadíssimos ouvintes"? Não, não é essa. "Idéia fixa", "Navalha na liga", "Movido à água", "Desapareça Eunice", "Tete tentei", "Vamos nessa"? Não, não é essa. "Eldorado" não pode ser porque é instrumental. "Sampa midnight", "Isso não vai ficar assim", "Z da questão meu amor"... (Como é essa mesmo? Ah, sim! Mas também não é essa). Isso! "Totalmente à revelia"!
Então ele canta:

"Por que será que a vida só tem caminho de ida?"
"Por que será que da morte não há caminho que torne?"
"Se eu morresse amanhã qual que será, qual que seria da minha mãe,
minha mulher, minhas filhas, minhas músicas, minhas lindas Orquídeas?"

Legal. Do mesmo disco ainda ouvi "Cadê Inês", "Chavão abre porta grande" (ótima!) e, por fim, "E o quico".

Peraí! Essa é uma ótima pergunta: o que você tem com isso? Por que estou escrevendo sobre coisas que me ocorreram nesta manhã gelada? Afinal, isso aqui não é um diário - apesar das postagens diárias.

Olha, se você teve paciência de ler até aqui, agradeço e peço desculpas.
Acho que foi o frio.
Fui!

4.9.06

Pergunta sem resposta

(Alguém se habilita?)


- Alô?

- Ana?

- Sim! Quem é?

- É o Ricardo! Tudo bem?

- Tudo bem, e você?

- Mais ou menos...

- O que houve?

- Ana...

- Fala!

- Você sabe que eu te desejo faz tempo, não sabe?

- Ai, de novo essa história, Ricardo? Não faz assim...

- O que eu posso fazer? Eu tô com uma vontade enorme de você!

- Vontade é coisa que dá e passa!

- Sei... E se essa vontade não passa? Você tem um nome pra isso?

3.9.06

Morfológicas - I

"Um fonema é um morfema?"
"Um morfema é um fonema?"
Uma fêmea é uma fêmea!

2.9.06

Carioca

Composição: Chico Buarque

Gostosa / Quentinha / (Quem vai?) Tapioca
O pregão abre o dia / Hoje tem baile funk
Tem samba no Flamengo / O reverendo
No palanque lendo / O Apocalipse
O homem da Gávea criou asas
Vadia / Gaivota / Sobrevoa a tardinha
E a neblina da ganja
O povaréu sonâmbulo / Ambulando
Que nem muamba / Nas ondas do mar
Cidade maravilhosa / És minha
O poente na espinha / Das tuas montanhas
Quase arromba a retina / De quem vê
De noite / Meninas
Peitinhos de pitomba
Vendendo por Copacabana
As suas bugigangas
Suas bugigangas

1.9.06

Rio III

- Quando começou? Você se lembra?

- Não tenho certeza, doutor. Fiquei longe durante uns três meses. Eu a amava, doutor! É como se a gente não se conhecesse mais. Ela está tão diferente...

- Diferente?

- Sim, doutor. Só que ficou pior. Melhor: ficou parecida com a outra.

- E como ela é?

- Nossa! Aquela outra lá é muito barulhenta, não pára um minuto sequer. E acabei me acostumando, entende? Não consigo mais ficar parado, não me permito ficar quieto nem por um minutinho. Durmo só pra conseguir ficar acordado depois, como apenas pra matar a fome... Corro demais, doutor!

- Fuma?

- Consegui parar. Promessa de Ano-Novo.

- Bebe?

- Quando sobra tempo... Ou pra relaxar um pouco. Chegar em casa depois daquele trânsito...

- O que mais te incomoda naquela?

- Não sei, doutor! Porque tem tantas coisas naquela que eu aprecio... Só que...

- Que?

- Aquela é bem legal, doutor. Só que essa daqui é muito mais gostosa!

- Sei...

- Essas curvas são demais, fala sério!

- Por que você não deixa aquela de uma vez?

- Não sei, doutor! Não sei. Acho que é só pra ter um lugar pra voltar...



Música Incidental - Esse é o lugar (Fernanda Abreu)

Eu nasci aqui / Me criei aqui
De lá nada sei / Eu só sei de mim
Quando vou pra lá / Vejo coisas daqui
Quando volto pra cá / Vejo coisas de lá
Quero saber / O que se passa aqui
Quero saber / O que se passa por lá
Quero saber / O que se passa em todo o lugar
(...)
Quando vou pra lá / Me sinto longe daqui
Quando volto pra cá / Me sinto perto de lá
Eu sou um pouco daqui / Eu sou um pouco de lá
Mas as coisas que eu falo / São de qualquer lugar
Mas as coisas que eu sinto / São de qualquer lugar
Mas as coisas que eu como / Eu como em qualquer lugar
E pelas coisas que eu vejo / Esse é o lugar
(...)
Quando vou pra lá / Sinto falta daqui
Quando volto pra cá / Me faltam coisas de lá
Com os pés aqui / Com a cabeça lá
Minha visão daqui / O meu olhar de lá
Vou vivendo
Misturado misturado
Vou vivendo
Misturado misturado

31.8.06

Pé na estrada II

(Depois de confundir as datas, voltamos a publicar.)

Uma parada rápida para abastecer. A viagem é longa, a vida...
Cheia de curvas, rodovias sujas,
pontes sobre rios de águas turvas.

Quando chove não corre, quase morre.
A memória o absorve do jeitinho que
o pão fazia ao ser mergulhado na
caneca de café-com-leite.

Chora o moleque estradeiro que
cantava a canção do Roberto no banheiro.

"Todo dia quando eu pego a estrada
Quase sempre é madrugada e o meu amor aumenta mais
Porque eu penso nela no caminho
Imagino seu carinho e todo o bem que ela me faz
A saudade então aperta o peito
Ligo o rádio e dou um jeito de espantar a solidão
Se é dia eu ando mais veloz
E à noite todos os faróis iluminando a escuridão

Já rodei o meu país inteiro
Como bom caminhoneiro peguei chuva e cerração
Quando chove o limpador desliza
Vai e vem o pára-brisa bate igual meu coração
Doido pelo doce do seu beijo
Olho cheio de desejo seu retrato no painel
É no acostamento dos seus braços
Que eu desligo meu cansaço e me abasteço desse mel

Eu sei
Tô correndo ao encontro dela
Coração tá disparado
Mas eu ando com cuidado
Não me arrisco na banguela
Eu sei
Todo dia nessa estrada
No volante eu penso nela
Já pintei no pára-choque
Um coração e o nome dela

E o nome dela..."

[ "Caminhoneiro" - Composição: Roberto Carlos/Erasmo Carlos ]

27.8.06

Pé na estrada I

Em virtude de uma viagem, só teremos nova postagem na sexta-feira (02/09).


Música Incidental: Amor de Estrada (Tom Zé e Washington Olivetto)

Vou dirigindo solitário pela estrada
mas te levo na lembrança meu amor
o caminhão amigo chora na subida
fiel a minha dor

coro - Voy dirigiendo solitario pur la ruta
pero llevando mio recuerdo a mi amor
mi camion amigo llora en la subida
fiel a mi dolor

solo - Encontrar-te foi bom
o teu corpo é tão perfeito
que para descrevê-lo
um poema não daria

coro - Então é uma carroceria

solo - Com outras não te trairei
e na estrada não darei
carona pra mulher vadia

coro -Isto até ao meio-dia

solo - Seu guarda me desculpe
ultrapassei oitenta beijos
se multar os lábios dela
vai multar os meus desejos

coro - Ela te quebrou dois eixos

solo - Vou pra perto de ti
se de noite estou cansado
clareando minha estrada
teu olhar iluminado

coro - É um farol desregulado

Vou dirigindo solitário pela estrada
mas te levo na lembrança meu amor
o caminhão amigo chora na subida
fiel a minha dor

coro - Voy dirigiendo solitario pur la ruta
pero llevando mio recuerdo a mi amor
mi camion amigo llora en la subida
fiel a mi dolor

solo - Vou caminhando
meu caminho, meu longo caminho:
meu caminhão.

coro - Voy caminando,
mi camino, mi gran camino,
mi camión...

26.8.06

São Tomé das Letras

Acordou com um vazio dentro do peito. Pôs a mão. O buraco não deixava dúvida: fôra uma explosão. A poça de sangue no chão denunciava uma hesitação. Não é possível, ele deve ter olhado para trás! Por que partiu?

Liga para a tia, para o jardim de infância, para o jardim zoológico, para o centro de zoonoses, para o centro de macumba, para a delegacia de polícia e, por fim, para o instituto médico. Legal! Nenhum sinal...

Um gosto azedo na boca, a carne fria na casa escura, lá fora um sol de rachar. Um vinho! Um bom gole de vinho! Cambaleou mais que moribundo pequenos passos pelo corredor. Pegou a garrafa na cozinha. Ela não era sozinha. Uma pista.

"Veja bem, meu bem... Lamento. Cansei dessa falsidade, desse leva-e-traz. Você abusou, esqueceu. Você deixou. Saudade. E eu, sem entender direito, insistia em bater no teu peito. Estive contigo desde o início e todo bem que te fiz foi só mais um vício. Ossos do ofício. Vou para uma cidadezinha das Geraes mas, por favor, escuta dessa vez teu coração: não vem atrás. Já não quero olhos nos olhos, não quero saber o que você diz, o que você faz. Vou buscar novas emoções. Mas não vou para Três Corações. Arriscava a cidade ter que mudar de nome. Não. Vou-me embora para a cidade eleita pelos loucos que só acreditam lendo."

Largou a carta no chão fulminado.
Até hoje ninguém sabe qual dos dois parou primeiro.

25.8.06

Bandeira do Baleiro

"Eu não quero ver você cuspindo ódio
Eu não quero ver você fumando ópio para sarar a dor
Eu não quero ver você chorar veneno
Não quero beber o teu café pequeno
Eu não quero isso seja lá o que isso for
Eu não quero aquele
Eu não quero aquilo
Peixe na boca do crocodilo
Braço da Vênus de Milo acenando tchau
Não quero medir a altura do tombo
Nem passar agosto esperando setembro, se bem me lembro
O melhor futuro este hoje escuro
O maior desejo da boca é o beijo
Eu não quero ter o Tejo escorrendo das mãos
Quero a Guanabara, quero o Rio Nilo
Quero tudo, ter estrela, flor, estilo
Tua língua em meu mamilo água e sal
Nada tenho vez em quando tudo
Tudo quero mais ou menos quanto
Vida vida noves fora zero
Quero viver, quero ouvir, quero ver
(Se é assim quero sim, acho que vim pra te ver)"

[ "Bandeira", de Zeca Baleiro. Do álbum "Por onde andará Stephen Fry" ]

24.8.06

Tem dias que a gente
se comove com
qualquer coisa.

Uma amiga me disse
que adora o nome
Capote Valente.

CAPOTE VALENTE...

Não foi o nome da rua
foi ela galopando nua...

23.8.06

Por falar em cinema, vem aí...

A SAGA DE NABUCODONOSOR
CONTRA O ARQUIFONEMA NASAL

22.8.06

Eleições 2006

(Vou falar só dessa vez!)

Deixo de lado minhas loucuras para pensar um pouco nas loucuras deste país e não consigo escrever nada. O horário eleitoral, por exemplo. É pra rir, né?
Pois os bastidores da política fazem qualquer um chorar. Fica apenas uma dica, uma só, para quem acha que já viu tudo sobre política.Confira:

Bolívia - história de uma crise Direção: Rachel Boynton – 87 min. 'Bolívia: História de uma crise', de Rachel Boynton, acompanha James Carville e uma equipe de consultores políticos norte-americanos por uma viagem pela América do Sul, para auxiliar Gonzalo Sanchez de Lozada (tambem conhecido como 'Goni') a se tornar presidente da Bolívia. Ao chegarem, os consultores encontram o país em crise, porém administrar crises é o que estes consultores melhor sabem fazer e Goni, segundo eles, é o homem ideal para resolver os problemas da Bolívia. Jeremy Rosner,Tad Devine e outros da firma GreenbergCarvilleSchrum são os peritos em propaganda contratados para vender Goni aos eleitores bolivianos.

E viva o marketing eleitoral!

21.8.06

Então a paixão explodiu...

"E do amor gritou-se o escândalo
Do medo criou-se o trágico
No rosto pintou-se o pálido
E não rolou uma lágrima
Nem uma lástima para socorrer
E na gente deu o hábito
De caminhar pelas trevas
De murmurar entre as pregas
De tirar leite das pedras
De ver o tempo correr
Mas sob o sono dos séculos
Amanheceu o espetáculo
Como uma chuva de pétalas
Como se o céu vendo as penas
Morresse de pena
E chovesse o perdão
E a prudência dos sábios
Nem ousou conter nos lábios
O sorriso e a paixão
Pois transbordando de flores
A calma dos lagos zangou-se
A rosa-dos-ventos danou-se
O leito do rio fartou-se
E inundou de água doce
A amargura do mar
Numa enchente amazônica
Numa explosão atlântica
E a multidão vendo em pânico
E a multidão vendo atônita
Ainda que tarde
O seu despertar"

("Rosa dos ventos", do álbum "Chico Buarque de Hollanda - Vol.4")

20.8.06

"Se você vir uma pessoa sendo tomada pelo desejo de tal modo que ela tenha que agir contra si própria, você vai dizer:
'Porra! O desejo dessa pessoa é puro desejo. Eu invejo ela, aquilo é a felicidade! O meu negócio é um negócio pequeno, pedestre.'
Mas uma pessoa que precisa negar tudo e... ficar contra si mesma pra satisfazer o desejo é porque o desejo dela é desejo mesmo, aquilo é que é desejo!"

Caetano Veloso
(Em depoimento nos extras de seu filme Cinema Falado)

19.8.06

O pior cego...

...é o que ignora a influência do ID sobre o EGO
só pra ficar de bem com o SUPEREGO.


Música incidental: Cara a cara (Chico Buarque)

Tenho um peito de lata e um nó de gravata no coração
Tenho uma vida sensata sem emoção
Tenho uma pressa danada
Não paro pra nada
Não presto atenção
Nos versos desta canção
Inútil
(...)
Tenho um metro quadrado um olho vidrado e a televisão
Tenho um sorriso comprado a prestação
Tenho uma pressa danada
Não paro pra nada
Não presto atenção
Nas cordas desse violão
Inútil
(...)
Tenho o passo marcado o rumo traçado sem discussão
Tenho um encontro marcado com a solidão
Tenho uma pressa danada
Não moro do lado
Não me chamo João
Não gosto nem digo que não
É inútil

Tira a pedra do caminho
Serve mais um vinho
Bota vento no moinho
Bota pra correr
Bota força nessa coisa
Que se a coisa pára
A gente fica cara a cara
Cara a cara a cara

Vou correndo, vou-me embora
Faço um bota-fora
Pega um lenço agita e chora
Cumpre o seu dever
Bota força nessa coisa
Que se a coisa pára
A gente fica cara a cara
Cara a cara a cara
Com o que não quer ver

18.8.06

Um soneto de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro e doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de maior espanto,
Que não se muda já como soía.


(Pois como já cantou Wander Wildner: eu não consigo ser alegre o tempo inteiro...)

17.8.06

Olho pra você
e pasmo:
você é bela!

Olho pro futuro
e pasmo:
você está morta...

16.8.06

pequena

palavra ao lado
com quê de
pecado

15.8.06

Passarinho que come pedra...

Quando você engolir um sapo
e ficar com aquela cara
de quem comeu e não gostou,
desejar sair por aí
atirando pedras em todos os telhados
mas trincar de medo por
saber que o seu é de vidro;
quando acordar puto
querendo esganar todo mundo
por acreditar que seus problemas
foram criados pelos outros...

Trate de respirar fundo
e vê se da próxima vez
você não engole tudo o que mastigou!

Porque se chiar resolvesse problema
Sonrisal não morria afogado...

14.8.06

Elegia

Pericles Cavalcanti - Augusto de Campos
(A partir de um poema de John Donne,
poeta inglês do século XVII)


Deixa que minha mão errante adentre
Atrás, na frente, em cima, embaixo,
entre
Minha América, minha terra à vista
Reino de paz, se um homem só a
conquista
Minha mina preciosa, meu império
Feliz de quem penetre o teu mistério
Liberto-me ficando teu escravo
Onde cai minha mão meu selo gravo
Nudez total: todo prazer provém
do corpo
(Como a alma sem corpo) sem vestes.
Como encadernação vistosa,
Feita para iletrados, a mulher se
enfeita
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns a que tal graça se consente
É dado lê-la.
Eu sou um que sabe.


[Gravado por Caetano Veloso no disco "Cinema Transcendental"]

13.8.06

Rio - II

Vale uma imagem mais que mil palavras?

Depende.

Momentos há em que
uma só palavra
vale mais que
mil imagens.

Somente uma
Palavra

12.8.06

Rio - I

Voltar pra casa é, quase sempre,
deitar um olhar sobre o passado.

Numa dessas coincidências que não sabemos explicar direito, deparei-me com uma entrevista de Ferreira Gullar no jornal O Globo deste sábado, 12/08, em que ele falava a Arnaldo Bloch sobre os 30 anos de "Poema sujo".
- Trinta anos passados dessa experiência, você sente necessidade de um outro mergulho no passado ou a coisa se esgotou ali, naquele retrato?
Gullar: Eu nunca planejo nada. Por exemplo, eu cheguei um dia a essa sala aqui e estava uma manhã esplendorosa, um domingo, uma luz entrando na sala. Fiquei tocado pela luminosidade da manhã plena, e escrevi um poema que se chama "O instante", que no fim diz isso: "Aqui me tenho sem mim/nada lembro nem sei/à luz presente sou apenas um bicho transparente". É isso. Essa coisa não tem passado, não tem reflexão, é o puro instante: esse é o ideal da felicidade. Porque a pior coisa que tem é o passado. O passado é sofrimento. Se foi bom, dói. Se foi ruim dói do mesmo jeito. Bom, mas é claro que se eu falo isso é porque sou atormentado pelo passado (risos).
- O futuro é mais simpático?
Gullar: Eu não penso no futuro. Não faço projeto. Vivo o presente. Mas o futuro também não é muito boa coisa não, né? (risos). Aqui tá bom, presente. Da mesma maneira, o que está escrito está escrito. Pertence ao passado. Costumo dizer que a poesia começa sempre de zero. Não adianta escrever o que tiver escrito. Até porque tanto faz ter escrito ou não, nunca me satisfaz. Não é porque todo mundo acha legal o "Poema sujo" que eu vou ficar satisfeito. Não se trata de satisfazer vaidades ou de satisfazer público, mas de uma necessidade existencial que o poeta tem de inventar seu mundo, inventar sua realidade imaginária.

11.8.06

Redondo?

Ela - Eu morei um ano na Itália e fiz um curso de degustação de vinho. Muito bom...

Ele - Então você já sabe tudo de vinho?

Ela - Não, claro que não! Não virei sommelier mas aprendi a escolher. Eu até gosto de outras bebidas, cerveja, chopp, mas canso rápido. Sou mais safadinha com vinho.

Ele - Sei... Er... Eu gosto de vinho, chopp e whisky, nessa ordem. Cerveja eu já nem conto. Mas ainda não bebi tequila.

Ela - Ah! Mas tequila blá-blá-blá, blá-blá-blá, blá-blá-blá...



Se o cara que inventou aquela cerveja estivesse no lugar dele, essa conversa terminaria assim:

Ela - (...) Sou mais safadinha com vinho.

Ele - Que tal a gente comprar umas garrafas ali na esquina?

10.8.06

Não é porque estou de passagem que não posso ficar.

Minha marca vai ficar registrada nesta pedra
enquanto ela flutuar pelo espaço
pendurada pelo tênue fio
que separa a sanidade
da loucura.

Porque isto é a verdadeira revolução da humanidade:
reconhecer que já nasceu louca.

E aprender a conviver com isso.



Música Incidental: Balada do Louco (Arnaldo Baptista e Rita Lee)

Dizem que sou louco por pensar assim
Se eu sou muito louca por eu ser feliz
Mais louco é quem me diz e não é feliz, não é feliz

Se eles são bonitos sou Alain Delon
Se eles são famosos sou Napoleão
Mais louco é quem me diz e não é feliz, não é feliz

Eu juro que é melhor não ser um normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu

Se eles têm três carros eu posso voar
Se eles rezam muito eu já estou no céu
Mais louco é quem me diz e não é feliz, não é feliz

Eu juro que é melhor não ser um normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu

Sim, sou muito louco não vou me curar
Já não sou o único que encontrou a paz
Mais louco é quem me diz e não é feliz...
Eu sou feliz !

9.8.06

"Minha filha, você precisa usar umas roupinhas mais femininas!"

"Onde você pensa que vai com esse decote?"

"Você precisa arranjar um marido!"

"Por que você não usa umas roupinhas mais modernas, minha filha? Você parece a sua avó!"

"Morar junto? Como assim? Não concordo!"

"Olha aquela ali, que louca! Chegou agarrando todo mundo!"

"Hum... isso não dá certo! Eu tenho uma sobrinha que namorou um ano e foi viver com um cara... Levou um pé na bunda!"

"Cuidado Fulana! Você tem andado muito com a Sicrana! Essas roupas que você vem usando..."

"Quem não quer casar não quer compromisso. Abre o olho!"

"Fecha essas pernas, menina!"




Música Incidental: Ser, Fazer e Acontecer (Gonzaguinha)

"Que uma mulher pode nunca nada isso eu já sei
É o grito da dona moral todo dia no ouvido da gente
É que eu estou pela vida, na luta
Eu também sei
E meu caminho eu faço
Nem quero saber que me digam dessa lei

Porque já sofri, já chorei, já amei
Vou sofrer, vou chorar e voltar a amar
Porque já dormi, já sonhei, acordei
E vou dormir, vou sonhar, porque eu nunca cansei

É que sinto exatamente aquilo que sente
qualquer um que respira

Uma perna de calça não dá mais direito a ninguém
de transar o que seja viver

E por isso eu prossigo e quero e grito
no ouvido dessa tal de dona moral
Que uma mulher pode nunca é deixar de
ser e fazer e acontecer..."

8.8.06

Micareta

Já reparou que hoje em dia não se espera hora certa pra vestir a fantasia?
As máscaras, contudo, permanecem muito vivas.
Às vezes, ao avesso.
Ninguém sabe dizer se é o fim ou o começo.
Tudo se transforma tão rapidamente que as chances de chegarmos a uma conclusão segura a respeito de qualquer coisa é escassa.
Virou fumaça.
Se bem que...
Pensar pra quê?
Não tem janeiro ou fevereiro, hoje há carnaval o ano inteiro.
Quem procura acha.
Por aí tanta fartura que se não andar com cuidado
você acaba enfiando o pé na jaca.
Esse parece o nosso tempo.
Parece.
Que havia um tempo...




Noite dos Mascarados (Chico Buarque - 1966)

Ele: Quem é você?

Ela: Adivinhe, se gosta de mim

Os dois: Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:

Ele: Quem é você, diga logo

Ela: Que eu quero saber o seu jogo

Ele: Que eu quero morrer no seu bloco

Ela: Que eu quero me arder no seu fogo

Ele: Eu sou seresteiro, poeta e cantor

Ela: O meu tempo inteiro só zombo do amor

Ele: Eu tenho um pandeiro

Ela: Só quero um violão

Ele: Eu nado em dinheiro

Ela: Não tenho um tostão
Fui porta-estandarte
Não sei mais dançar

Ele: Eu, modéstia à parte, nasci pra sambar

Ela: Eu sou tão menina

Ele: Meu tempo passou

Ela: Eu sou Colombina

Ele: Eu sou Pierrot

Os dois: Mas é carnaval, não me diga mais quem é você!
Amanhã, tudo volta ao normal
Deixe a festa acabar
Deixe o barco correr
Deixe o dia raiar
Que hoje eu sou da maneira que você me quer
O que você pedir eu lhe dou
Seja você quem for, seja o que Deus quiser
Seja você quem for, seja o que Deus quiser

7.8.06

Era uma vez...

Lobo bobo (Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli)

Era uma vez um lobo mau que resolveu jantar alguém
Estava sem vintém, mas arriscou e logo se estrepou
Um Chapeuzinho de maiô ouviu buzina e não parou
Mas Lobo Mau insiste e faz cara de triste...
Mas Chapeuzinho ouviu os conselhos da vovó
Dizer que não pra lobo, que com lobo não sai só.

Lobo canta, pede, promete tudo até amor
E diz que fraco de lobo é ver um Chapeuzinho de maiô
Mas Chapeuzinho percebeu que Lobo Mau se derreteu
Pra ver você que lobo também faz papel de bobo
Só posso lhe dizer, Chapeuzinho agora traz
Um lobo na coleira que não janta nunca mais

6.8.06

Educação Sentimental

Quando completou 12 anos, inchou, sangrou, e a mãe:
"Minha filha: o sonho acabou.
Não deixe que ponham a mão aqui, não meta a boca acolá.
Olhe bem com quem você anda!
Saiba que, de agora em diante, tendo ou não alguém para amar,
nosso destino é sangrar."

Quando ele completou 13 anos seus banhos ficaram mais longos.
O pai o catou pelo braço e foi lhe dizendo
ao pé do ouvido:
"Meu filho, você está crescendo, ficando forte, bonito.
Vai ter um montão de mulheres
se pendurando no teu pescoço,
esfregando na sua cara.
Cuidado com quem você anda!"

Cresceram.
Vieram as coleguinhas, a televisão,
as sessões da tarde com idílicas lagoas azuis.
Estava feito o estrago.
Amada, amantes, amanticidas.
Que língua era aquela?
Uns moleques cantando no rádio,
um sotaque diferente mas que ela entendia.
Ouvia uma voz cantando duzentas vezes ao dia:
"Não se reprima, não se reprima, não se reprima!"

Até que um dia ele comeu a prima.
E a amiga da prima.
A irmã do amigo, a cunhada,
a empregada, a filha do vizinho.
Só.
Sozinho.

Ela também deu seus pulinhos.
Nunca mijou na cama
mas deu pra mijar nas calças.
E descobriu o que era quebrar o côco
sem arrebentar a sapucaia.

Ele descobriu com Itamar Assumpção
que o negócio não tem solução.
"A gente nasce, vai crescendo, crescendo... até atingir a adolescência.
Começa um fogo por dentro que vai queimando...
e uma inexplicável e violentíssima atração pelo sexo oposto.
Daí até a morte é um Deus-nos-acuda..."

Ela? Ela ainda...


Música incidental: MARAVIDA (Gonzaguinha)

Era uma vez eu no meio da vida
essa coisa assim, tanto mar...
Coisa de doce e de sal
essa vida assim, tanto mar, tanto mar...
Sempre o mar, cores indo
do verde mais verde
ao anil mais anil
Cores do sol e da chuva
do sol e do vento
do sol e do ar
Era o tempo na rua e eu nua
usando e abusando do verbo provar
Um beija-flor, flor em flor, bar em bar, bem ou mal
Margulhar
Sempre menina franzina traquinas
de tudo querendo tomar e tomar
Sempre garota marota tão louca
à boca de tudo querendo levar
Vida, vida, vida...
Que seja do jeito que for!
Mar, amar, humor, se é dor
quero o mar dessa dor
Quero o meu peito repleto
de tudo que eu possa abraçar
Quero a sede e a fome eternas
de amar e amar e amar...

5.8.06

Bruta Flor do Querer

Vem cá mulher, não disfarça,
não precisa ficar sem graça

Me usa, me abusa,
me faz rastejar pelo chão

Coma minha carne, beba meu sangue
Leve embora meu dinheiro
Mas me deixa chupar teu grelo

Porque os que te falam de amor
Não vão chupar teu coração.



Música Incidental: Damas da Noite (Wander Wildner)

"Eu vejo mulheres na chuva da noite
Entregando seus corpos pra qualquer um
A velhos e gordos mais podres que a noite
Que a noite...

Encostadas nos postes, nas rodoviárias
Sentadas nas sujas sarjetas do asfalto
Entregando seus corpos pra qualquer um
Qualquer um...

Eu admiro as mulheres
Que usam seus homens
Fazem de tudo o que querem
Por dinheiro ou prazer

Às duas da tarde, cinco da manhã
No carro, na cama, em qualquer lugar
Sempre a postos pra saciar alguém
Alguém...

São máquinas de sexo e de prazer
É tudo tão fácil pra você gozar
Estão sempre prontas pro que vier
Quem vier...

Eu admiro as mulheres..."




PORQUE O ESPÍRITO É FORTE, MAS A CARNE É MACIA E SUCULENTA...

3.8.06

Onde queres revólver sou coqueiro, onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo, e onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada, nada falta, e onde voas bem alta eu sou o chão
E onde pisas no chão minha alma salta, e ganha liberdade na amplidão
Onde queres família sou maluco, e onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon sou Pernambuco, e onde queres eunuco, garanhão
E onde queres o sim e o não, talvez, onde vês eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo eu sou o irmão, e onde queres cowboy eu sou chinês

Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato eu sou o espírito, e onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo, e onde buscas o anjo eu sou mulher
Onde queres prazer sou o que dói, e onde queres tortura, mansidão
Onde queres o lar, revolução, e onde queres bandido eu sou o herói
Eu queria querer-te e amar o amor, construírmos dulcíssima prisão
E encontrar a mais justa adequação, tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés, e vê só que cilada o amor me armou
E te quero e não queres como sou, não te quero e não queres como és

Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper vídeo, e onde queres romance, rock'nroll
Onde queres a lua eu sou o sol, onde a pura natura, o inseticídeo
E onde queres mistério eu sou a luz, onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro, e onde queres coqueiro eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal, bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal, e eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo te aprender o total do querer que há e do que não há em mim