31.8.06

Pé na estrada II

(Depois de confundir as datas, voltamos a publicar.)

Uma parada rápida para abastecer. A viagem é longa, a vida...
Cheia de curvas, rodovias sujas,
pontes sobre rios de águas turvas.

Quando chove não corre, quase morre.
A memória o absorve do jeitinho que
o pão fazia ao ser mergulhado na
caneca de café-com-leite.

Chora o moleque estradeiro que
cantava a canção do Roberto no banheiro.

"Todo dia quando eu pego a estrada
Quase sempre é madrugada e o meu amor aumenta mais
Porque eu penso nela no caminho
Imagino seu carinho e todo o bem que ela me faz
A saudade então aperta o peito
Ligo o rádio e dou um jeito de espantar a solidão
Se é dia eu ando mais veloz
E à noite todos os faróis iluminando a escuridão

Já rodei o meu país inteiro
Como bom caminhoneiro peguei chuva e cerração
Quando chove o limpador desliza
Vai e vem o pára-brisa bate igual meu coração
Doido pelo doce do seu beijo
Olho cheio de desejo seu retrato no painel
É no acostamento dos seus braços
Que eu desligo meu cansaço e me abasteço desse mel

Eu sei
Tô correndo ao encontro dela
Coração tá disparado
Mas eu ando com cuidado
Não me arrisco na banguela
Eu sei
Todo dia nessa estrada
No volante eu penso nela
Já pintei no pára-choque
Um coração e o nome dela

E o nome dela..."

[ "Caminhoneiro" - Composição: Roberto Carlos/Erasmo Carlos ]

27.8.06

Pé na estrada I

Em virtude de uma viagem, só teremos nova postagem na sexta-feira (02/09).


Música Incidental: Amor de Estrada (Tom Zé e Washington Olivetto)

Vou dirigindo solitário pela estrada
mas te levo na lembrança meu amor
o caminhão amigo chora na subida
fiel a minha dor

coro - Voy dirigiendo solitario pur la ruta
pero llevando mio recuerdo a mi amor
mi camion amigo llora en la subida
fiel a mi dolor

solo - Encontrar-te foi bom
o teu corpo é tão perfeito
que para descrevê-lo
um poema não daria

coro - Então é uma carroceria

solo - Com outras não te trairei
e na estrada não darei
carona pra mulher vadia

coro -Isto até ao meio-dia

solo - Seu guarda me desculpe
ultrapassei oitenta beijos
se multar os lábios dela
vai multar os meus desejos

coro - Ela te quebrou dois eixos

solo - Vou pra perto de ti
se de noite estou cansado
clareando minha estrada
teu olhar iluminado

coro - É um farol desregulado

Vou dirigindo solitário pela estrada
mas te levo na lembrança meu amor
o caminhão amigo chora na subida
fiel a minha dor

coro - Voy dirigiendo solitario pur la ruta
pero llevando mio recuerdo a mi amor
mi camion amigo llora en la subida
fiel a mi dolor

solo - Vou caminhando
meu caminho, meu longo caminho:
meu caminhão.

coro - Voy caminando,
mi camino, mi gran camino,
mi camión...

26.8.06

São Tomé das Letras

Acordou com um vazio dentro do peito. Pôs a mão. O buraco não deixava dúvida: fôra uma explosão. A poça de sangue no chão denunciava uma hesitação. Não é possível, ele deve ter olhado para trás! Por que partiu?

Liga para a tia, para o jardim de infância, para o jardim zoológico, para o centro de zoonoses, para o centro de macumba, para a delegacia de polícia e, por fim, para o instituto médico. Legal! Nenhum sinal...

Um gosto azedo na boca, a carne fria na casa escura, lá fora um sol de rachar. Um vinho! Um bom gole de vinho! Cambaleou mais que moribundo pequenos passos pelo corredor. Pegou a garrafa na cozinha. Ela não era sozinha. Uma pista.

"Veja bem, meu bem... Lamento. Cansei dessa falsidade, desse leva-e-traz. Você abusou, esqueceu. Você deixou. Saudade. E eu, sem entender direito, insistia em bater no teu peito. Estive contigo desde o início e todo bem que te fiz foi só mais um vício. Ossos do ofício. Vou para uma cidadezinha das Geraes mas, por favor, escuta dessa vez teu coração: não vem atrás. Já não quero olhos nos olhos, não quero saber o que você diz, o que você faz. Vou buscar novas emoções. Mas não vou para Três Corações. Arriscava a cidade ter que mudar de nome. Não. Vou-me embora para a cidade eleita pelos loucos que só acreditam lendo."

Largou a carta no chão fulminado.
Até hoje ninguém sabe qual dos dois parou primeiro.

25.8.06

Bandeira do Baleiro

"Eu não quero ver você cuspindo ódio
Eu não quero ver você fumando ópio para sarar a dor
Eu não quero ver você chorar veneno
Não quero beber o teu café pequeno
Eu não quero isso seja lá o que isso for
Eu não quero aquele
Eu não quero aquilo
Peixe na boca do crocodilo
Braço da Vênus de Milo acenando tchau
Não quero medir a altura do tombo
Nem passar agosto esperando setembro, se bem me lembro
O melhor futuro este hoje escuro
O maior desejo da boca é o beijo
Eu não quero ter o Tejo escorrendo das mãos
Quero a Guanabara, quero o Rio Nilo
Quero tudo, ter estrela, flor, estilo
Tua língua em meu mamilo água e sal
Nada tenho vez em quando tudo
Tudo quero mais ou menos quanto
Vida vida noves fora zero
Quero viver, quero ouvir, quero ver
(Se é assim quero sim, acho que vim pra te ver)"

[ "Bandeira", de Zeca Baleiro. Do álbum "Por onde andará Stephen Fry" ]

24.8.06

Tem dias que a gente
se comove com
qualquer coisa.

Uma amiga me disse
que adora o nome
Capote Valente.

CAPOTE VALENTE...

Não foi o nome da rua
foi ela galopando nua...

23.8.06

Por falar em cinema, vem aí...

A SAGA DE NABUCODONOSOR
CONTRA O ARQUIFONEMA NASAL

22.8.06

Eleições 2006

(Vou falar só dessa vez!)

Deixo de lado minhas loucuras para pensar um pouco nas loucuras deste país e não consigo escrever nada. O horário eleitoral, por exemplo. É pra rir, né?
Pois os bastidores da política fazem qualquer um chorar. Fica apenas uma dica, uma só, para quem acha que já viu tudo sobre política.Confira:

Bolívia - história de uma crise Direção: Rachel Boynton – 87 min. 'Bolívia: História de uma crise', de Rachel Boynton, acompanha James Carville e uma equipe de consultores políticos norte-americanos por uma viagem pela América do Sul, para auxiliar Gonzalo Sanchez de Lozada (tambem conhecido como 'Goni') a se tornar presidente da Bolívia. Ao chegarem, os consultores encontram o país em crise, porém administrar crises é o que estes consultores melhor sabem fazer e Goni, segundo eles, é o homem ideal para resolver os problemas da Bolívia. Jeremy Rosner,Tad Devine e outros da firma GreenbergCarvilleSchrum são os peritos em propaganda contratados para vender Goni aos eleitores bolivianos.

E viva o marketing eleitoral!

21.8.06

Então a paixão explodiu...

"E do amor gritou-se o escândalo
Do medo criou-se o trágico
No rosto pintou-se o pálido
E não rolou uma lágrima
Nem uma lástima para socorrer
E na gente deu o hábito
De caminhar pelas trevas
De murmurar entre as pregas
De tirar leite das pedras
De ver o tempo correr
Mas sob o sono dos séculos
Amanheceu o espetáculo
Como uma chuva de pétalas
Como se o céu vendo as penas
Morresse de pena
E chovesse o perdão
E a prudência dos sábios
Nem ousou conter nos lábios
O sorriso e a paixão
Pois transbordando de flores
A calma dos lagos zangou-se
A rosa-dos-ventos danou-se
O leito do rio fartou-se
E inundou de água doce
A amargura do mar
Numa enchente amazônica
Numa explosão atlântica
E a multidão vendo em pânico
E a multidão vendo atônita
Ainda que tarde
O seu despertar"

("Rosa dos ventos", do álbum "Chico Buarque de Hollanda - Vol.4")

20.8.06

"Se você vir uma pessoa sendo tomada pelo desejo de tal modo que ela tenha que agir contra si própria, você vai dizer:
'Porra! O desejo dessa pessoa é puro desejo. Eu invejo ela, aquilo é a felicidade! O meu negócio é um negócio pequeno, pedestre.'
Mas uma pessoa que precisa negar tudo e... ficar contra si mesma pra satisfazer o desejo é porque o desejo dela é desejo mesmo, aquilo é que é desejo!"

Caetano Veloso
(Em depoimento nos extras de seu filme Cinema Falado)

19.8.06

O pior cego...

...é o que ignora a influência do ID sobre o EGO
só pra ficar de bem com o SUPEREGO.


Música incidental: Cara a cara (Chico Buarque)

Tenho um peito de lata e um nó de gravata no coração
Tenho uma vida sensata sem emoção
Tenho uma pressa danada
Não paro pra nada
Não presto atenção
Nos versos desta canção
Inútil
(...)
Tenho um metro quadrado um olho vidrado e a televisão
Tenho um sorriso comprado a prestação
Tenho uma pressa danada
Não paro pra nada
Não presto atenção
Nas cordas desse violão
Inútil
(...)
Tenho o passo marcado o rumo traçado sem discussão
Tenho um encontro marcado com a solidão
Tenho uma pressa danada
Não moro do lado
Não me chamo João
Não gosto nem digo que não
É inútil

Tira a pedra do caminho
Serve mais um vinho
Bota vento no moinho
Bota pra correr
Bota força nessa coisa
Que se a coisa pára
A gente fica cara a cara
Cara a cara a cara

Vou correndo, vou-me embora
Faço um bota-fora
Pega um lenço agita e chora
Cumpre o seu dever
Bota força nessa coisa
Que se a coisa pára
A gente fica cara a cara
Cara a cara a cara
Com o que não quer ver

18.8.06

Um soneto de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro e doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de maior espanto,
Que não se muda já como soía.


(Pois como já cantou Wander Wildner: eu não consigo ser alegre o tempo inteiro...)

17.8.06

Olho pra você
e pasmo:
você é bela!

Olho pro futuro
e pasmo:
você está morta...

16.8.06

pequena

palavra ao lado
com quê de
pecado

15.8.06

Passarinho que come pedra...

Quando você engolir um sapo
e ficar com aquela cara
de quem comeu e não gostou,
desejar sair por aí
atirando pedras em todos os telhados
mas trincar de medo por
saber que o seu é de vidro;
quando acordar puto
querendo esganar todo mundo
por acreditar que seus problemas
foram criados pelos outros...

Trate de respirar fundo
e vê se da próxima vez
você não engole tudo o que mastigou!

Porque se chiar resolvesse problema
Sonrisal não morria afogado...

14.8.06

Elegia

Pericles Cavalcanti - Augusto de Campos
(A partir de um poema de John Donne,
poeta inglês do século XVII)


Deixa que minha mão errante adentre
Atrás, na frente, em cima, embaixo,
entre
Minha América, minha terra à vista
Reino de paz, se um homem só a
conquista
Minha mina preciosa, meu império
Feliz de quem penetre o teu mistério
Liberto-me ficando teu escravo
Onde cai minha mão meu selo gravo
Nudez total: todo prazer provém
do corpo
(Como a alma sem corpo) sem vestes.
Como encadernação vistosa,
Feita para iletrados, a mulher se
enfeita
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns a que tal graça se consente
É dado lê-la.
Eu sou um que sabe.


[Gravado por Caetano Veloso no disco "Cinema Transcendental"]

13.8.06

Rio - II

Vale uma imagem mais que mil palavras?

Depende.

Momentos há em que
uma só palavra
vale mais que
mil imagens.

Somente uma
Palavra

12.8.06

Rio - I

Voltar pra casa é, quase sempre,
deitar um olhar sobre o passado.

Numa dessas coincidências que não sabemos explicar direito, deparei-me com uma entrevista de Ferreira Gullar no jornal O Globo deste sábado, 12/08, em que ele falava a Arnaldo Bloch sobre os 30 anos de "Poema sujo".
- Trinta anos passados dessa experiência, você sente necessidade de um outro mergulho no passado ou a coisa se esgotou ali, naquele retrato?
Gullar: Eu nunca planejo nada. Por exemplo, eu cheguei um dia a essa sala aqui e estava uma manhã esplendorosa, um domingo, uma luz entrando na sala. Fiquei tocado pela luminosidade da manhã plena, e escrevi um poema que se chama "O instante", que no fim diz isso: "Aqui me tenho sem mim/nada lembro nem sei/à luz presente sou apenas um bicho transparente". É isso. Essa coisa não tem passado, não tem reflexão, é o puro instante: esse é o ideal da felicidade. Porque a pior coisa que tem é o passado. O passado é sofrimento. Se foi bom, dói. Se foi ruim dói do mesmo jeito. Bom, mas é claro que se eu falo isso é porque sou atormentado pelo passado (risos).
- O futuro é mais simpático?
Gullar: Eu não penso no futuro. Não faço projeto. Vivo o presente. Mas o futuro também não é muito boa coisa não, né? (risos). Aqui tá bom, presente. Da mesma maneira, o que está escrito está escrito. Pertence ao passado. Costumo dizer que a poesia começa sempre de zero. Não adianta escrever o que tiver escrito. Até porque tanto faz ter escrito ou não, nunca me satisfaz. Não é porque todo mundo acha legal o "Poema sujo" que eu vou ficar satisfeito. Não se trata de satisfazer vaidades ou de satisfazer público, mas de uma necessidade existencial que o poeta tem de inventar seu mundo, inventar sua realidade imaginária.

11.8.06

Redondo?

Ela - Eu morei um ano na Itália e fiz um curso de degustação de vinho. Muito bom...

Ele - Então você já sabe tudo de vinho?

Ela - Não, claro que não! Não virei sommelier mas aprendi a escolher. Eu até gosto de outras bebidas, cerveja, chopp, mas canso rápido. Sou mais safadinha com vinho.

Ele - Sei... Er... Eu gosto de vinho, chopp e whisky, nessa ordem. Cerveja eu já nem conto. Mas ainda não bebi tequila.

Ela - Ah! Mas tequila blá-blá-blá, blá-blá-blá, blá-blá-blá...



Se o cara que inventou aquela cerveja estivesse no lugar dele, essa conversa terminaria assim:

Ela - (...) Sou mais safadinha com vinho.

Ele - Que tal a gente comprar umas garrafas ali na esquina?

10.8.06

Não é porque estou de passagem que não posso ficar.

Minha marca vai ficar registrada nesta pedra
enquanto ela flutuar pelo espaço
pendurada pelo tênue fio
que separa a sanidade
da loucura.

Porque isto é a verdadeira revolução da humanidade:
reconhecer que já nasceu louca.

E aprender a conviver com isso.



Música Incidental: Balada do Louco (Arnaldo Baptista e Rita Lee)

Dizem que sou louco por pensar assim
Se eu sou muito louca por eu ser feliz
Mais louco é quem me diz e não é feliz, não é feliz

Se eles são bonitos sou Alain Delon
Se eles são famosos sou Napoleão
Mais louco é quem me diz e não é feliz, não é feliz

Eu juro que é melhor não ser um normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu

Se eles têm três carros eu posso voar
Se eles rezam muito eu já estou no céu
Mais louco é quem me diz e não é feliz, não é feliz

Eu juro que é melhor não ser um normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu

Sim, sou muito louco não vou me curar
Já não sou o único que encontrou a paz
Mais louco é quem me diz e não é feliz...
Eu sou feliz !

9.8.06

"Minha filha, você precisa usar umas roupinhas mais femininas!"

"Onde você pensa que vai com esse decote?"

"Você precisa arranjar um marido!"

"Por que você não usa umas roupinhas mais modernas, minha filha? Você parece a sua avó!"

"Morar junto? Como assim? Não concordo!"

"Olha aquela ali, que louca! Chegou agarrando todo mundo!"

"Hum... isso não dá certo! Eu tenho uma sobrinha que namorou um ano e foi viver com um cara... Levou um pé na bunda!"

"Cuidado Fulana! Você tem andado muito com a Sicrana! Essas roupas que você vem usando..."

"Quem não quer casar não quer compromisso. Abre o olho!"

"Fecha essas pernas, menina!"




Música Incidental: Ser, Fazer e Acontecer (Gonzaguinha)

"Que uma mulher pode nunca nada isso eu já sei
É o grito da dona moral todo dia no ouvido da gente
É que eu estou pela vida, na luta
Eu também sei
E meu caminho eu faço
Nem quero saber que me digam dessa lei

Porque já sofri, já chorei, já amei
Vou sofrer, vou chorar e voltar a amar
Porque já dormi, já sonhei, acordei
E vou dormir, vou sonhar, porque eu nunca cansei

É que sinto exatamente aquilo que sente
qualquer um que respira

Uma perna de calça não dá mais direito a ninguém
de transar o que seja viver

E por isso eu prossigo e quero e grito
no ouvido dessa tal de dona moral
Que uma mulher pode nunca é deixar de
ser e fazer e acontecer..."

8.8.06

Micareta

Já reparou que hoje em dia não se espera hora certa pra vestir a fantasia?
As máscaras, contudo, permanecem muito vivas.
Às vezes, ao avesso.
Ninguém sabe dizer se é o fim ou o começo.
Tudo se transforma tão rapidamente que as chances de chegarmos a uma conclusão segura a respeito de qualquer coisa é escassa.
Virou fumaça.
Se bem que...
Pensar pra quê?
Não tem janeiro ou fevereiro, hoje há carnaval o ano inteiro.
Quem procura acha.
Por aí tanta fartura que se não andar com cuidado
você acaba enfiando o pé na jaca.
Esse parece o nosso tempo.
Parece.
Que havia um tempo...




Noite dos Mascarados (Chico Buarque - 1966)

Ele: Quem é você?

Ela: Adivinhe, se gosta de mim

Os dois: Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:

Ele: Quem é você, diga logo

Ela: Que eu quero saber o seu jogo

Ele: Que eu quero morrer no seu bloco

Ela: Que eu quero me arder no seu fogo

Ele: Eu sou seresteiro, poeta e cantor

Ela: O meu tempo inteiro só zombo do amor

Ele: Eu tenho um pandeiro

Ela: Só quero um violão

Ele: Eu nado em dinheiro

Ela: Não tenho um tostão
Fui porta-estandarte
Não sei mais dançar

Ele: Eu, modéstia à parte, nasci pra sambar

Ela: Eu sou tão menina

Ele: Meu tempo passou

Ela: Eu sou Colombina

Ele: Eu sou Pierrot

Os dois: Mas é carnaval, não me diga mais quem é você!
Amanhã, tudo volta ao normal
Deixe a festa acabar
Deixe o barco correr
Deixe o dia raiar
Que hoje eu sou da maneira que você me quer
O que você pedir eu lhe dou
Seja você quem for, seja o que Deus quiser
Seja você quem for, seja o que Deus quiser

7.8.06

Era uma vez...

Lobo bobo (Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli)

Era uma vez um lobo mau que resolveu jantar alguém
Estava sem vintém, mas arriscou e logo se estrepou
Um Chapeuzinho de maiô ouviu buzina e não parou
Mas Lobo Mau insiste e faz cara de triste...
Mas Chapeuzinho ouviu os conselhos da vovó
Dizer que não pra lobo, que com lobo não sai só.

Lobo canta, pede, promete tudo até amor
E diz que fraco de lobo é ver um Chapeuzinho de maiô
Mas Chapeuzinho percebeu que Lobo Mau se derreteu
Pra ver você que lobo também faz papel de bobo
Só posso lhe dizer, Chapeuzinho agora traz
Um lobo na coleira que não janta nunca mais

6.8.06

Educação Sentimental

Quando completou 12 anos, inchou, sangrou, e a mãe:
"Minha filha: o sonho acabou.
Não deixe que ponham a mão aqui, não meta a boca acolá.
Olhe bem com quem você anda!
Saiba que, de agora em diante, tendo ou não alguém para amar,
nosso destino é sangrar."

Quando ele completou 13 anos seus banhos ficaram mais longos.
O pai o catou pelo braço e foi lhe dizendo
ao pé do ouvido:
"Meu filho, você está crescendo, ficando forte, bonito.
Vai ter um montão de mulheres
se pendurando no teu pescoço,
esfregando na sua cara.
Cuidado com quem você anda!"

Cresceram.
Vieram as coleguinhas, a televisão,
as sessões da tarde com idílicas lagoas azuis.
Estava feito o estrago.
Amada, amantes, amanticidas.
Que língua era aquela?
Uns moleques cantando no rádio,
um sotaque diferente mas que ela entendia.
Ouvia uma voz cantando duzentas vezes ao dia:
"Não se reprima, não se reprima, não se reprima!"

Até que um dia ele comeu a prima.
E a amiga da prima.
A irmã do amigo, a cunhada,
a empregada, a filha do vizinho.
Só.
Sozinho.

Ela também deu seus pulinhos.
Nunca mijou na cama
mas deu pra mijar nas calças.
E descobriu o que era quebrar o côco
sem arrebentar a sapucaia.

Ele descobriu com Itamar Assumpção
que o negócio não tem solução.
"A gente nasce, vai crescendo, crescendo... até atingir a adolescência.
Começa um fogo por dentro que vai queimando...
e uma inexplicável e violentíssima atração pelo sexo oposto.
Daí até a morte é um Deus-nos-acuda..."

Ela? Ela ainda...


Música incidental: MARAVIDA (Gonzaguinha)

Era uma vez eu no meio da vida
essa coisa assim, tanto mar...
Coisa de doce e de sal
essa vida assim, tanto mar, tanto mar...
Sempre o mar, cores indo
do verde mais verde
ao anil mais anil
Cores do sol e da chuva
do sol e do vento
do sol e do ar
Era o tempo na rua e eu nua
usando e abusando do verbo provar
Um beija-flor, flor em flor, bar em bar, bem ou mal
Margulhar
Sempre menina franzina traquinas
de tudo querendo tomar e tomar
Sempre garota marota tão louca
à boca de tudo querendo levar
Vida, vida, vida...
Que seja do jeito que for!
Mar, amar, humor, se é dor
quero o mar dessa dor
Quero o meu peito repleto
de tudo que eu possa abraçar
Quero a sede e a fome eternas
de amar e amar e amar...

5.8.06

Bruta Flor do Querer

Vem cá mulher, não disfarça,
não precisa ficar sem graça

Me usa, me abusa,
me faz rastejar pelo chão

Coma minha carne, beba meu sangue
Leve embora meu dinheiro
Mas me deixa chupar teu grelo

Porque os que te falam de amor
Não vão chupar teu coração.



Música Incidental: Damas da Noite (Wander Wildner)

"Eu vejo mulheres na chuva da noite
Entregando seus corpos pra qualquer um
A velhos e gordos mais podres que a noite
Que a noite...

Encostadas nos postes, nas rodoviárias
Sentadas nas sujas sarjetas do asfalto
Entregando seus corpos pra qualquer um
Qualquer um...

Eu admiro as mulheres
Que usam seus homens
Fazem de tudo o que querem
Por dinheiro ou prazer

Às duas da tarde, cinco da manhã
No carro, na cama, em qualquer lugar
Sempre a postos pra saciar alguém
Alguém...

São máquinas de sexo e de prazer
É tudo tão fácil pra você gozar
Estão sempre prontas pro que vier
Quem vier...

Eu admiro as mulheres..."




PORQUE O ESPÍRITO É FORTE, MAS A CARNE É MACIA E SUCULENTA...

3.8.06

Onde queres revólver sou coqueiro, onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo, e onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada, nada falta, e onde voas bem alta eu sou o chão
E onde pisas no chão minha alma salta, e ganha liberdade na amplidão
Onde queres família sou maluco, e onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon sou Pernambuco, e onde queres eunuco, garanhão
E onde queres o sim e o não, talvez, onde vês eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo eu sou o irmão, e onde queres cowboy eu sou chinês

Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato eu sou o espírito, e onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo, e onde buscas o anjo eu sou mulher
Onde queres prazer sou o que dói, e onde queres tortura, mansidão
Onde queres o lar, revolução, e onde queres bandido eu sou o herói
Eu queria querer-te e amar o amor, construírmos dulcíssima prisão
E encontrar a mais justa adequação, tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés, e vê só que cilada o amor me armou
E te quero e não queres como sou, não te quero e não queres como és

Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper vídeo, e onde queres romance, rock'nroll
Onde queres a lua eu sou o sol, onde a pura natura, o inseticídeo
E onde queres mistério eu sou a luz, onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro, e onde queres coqueiro eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal, bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal, e eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo te aprender o total do querer que há e do que não há em mim