3.10.06

Sem tido!

Era menino demais para entender tudo aquilo. Calcanhares colados, mãos espalmadas, dedos unidos, um vento frio, a chuva vindo, a juventude e o prazer de viver se esvaindo. Coturnos, casacos e os cascos dos cavalos deixaram sua alma em cacos. A frente fria avançava anunciando a batalha. Tempo truncado, tudo escuro. "Antes que o galo cante duas vezes...". Não precisou. Antes, a coruja piou. O medo outrora oculto revelou-se. Borrou-se. Então, mirou a frase defeito: "os covardes nunca tentaram, os fracos ficaram no caminho, só os fortes conseguiram". Engoliu a seco o gosto azedo. O menino teve de matar, o menino. Não entendia nada. Apenas sonhava com um futuro esquecido no bairro escondido, país longínquo onde pecado era deixar de pular o muro para jogar bola, soltar pipa, andar de skate, tomar sorvete e mascar chiclete. Ao sonhar, tornava claro o escuro. Até o dia em que seu sol entrou em Saturno.



Música Incidental: Mamãe eu não queria (Raul Seixas)

"Larga dessa cantoria menino
Música não vai levar você lugar nenhum"
Peraí mamãe, güenta aí...

Mamãe, eu não queria
Mamãe, eu não queria
Mamãe, eu não queria
Servir o exército...

Não quero bater continência (Trá-lá-lá-lá)
Nem pra sargento, cabo ou capitão (Trá-lá-lá-lá)
Nem quero ser sentinela, mamãe
Que nem cachorro vigiando o portão
Não!

Mamãe, eu não queria...

Desculpe, Vossa Excelência
A falta, a falta de um pistolão
É que meu velho é soldado
E minha mãe pertence ao Exército de Salvação
Não!

Mamãe, eu não queria...

Olha as crianças:
"Marcha soldado, cabeça de papel
Se não marchar direito vai preso pro quartel!"

Mamãe, eu não queria...

Sei que é uma bela carreira
Mas não tenho a menor vocação
Se fosse tão bom assim mainha
Não seria imposição
Não!

Mamãe, eu não queria...

"Você sabe muito bem que é obrigatório
E além do mais você tem que cumprir com seu
dever com orgulho!"
Mamãe eu não queria!

"Você sabe muito bem que é obrigatório
E além do mais você tem que cumprir com seu
dever com orgulho e dedicação!"
Mamãe eu morreria!
"Pela causa meu filho, pela causa!"

Mamãe, eu não queria!
Mamãe! Mamãe eu... eu...

2 comentários:

Anônimo disse...

Menino Maurício, parece que realmente vagamos por semelhantes incertezas, indagações e passeios artísticos... Em busca, em busca, ufa, ufa!
Escrevi um texto comentando teu email-carta que me foi tão caro ao coração, finalmente.
beijo&abraço da nova amiga,
Palena

Feliz disse...

Caro Zé Maurício Rocha, parabéns pelo texto. Um abraçco.