12.8.06

Rio - I

Voltar pra casa é, quase sempre,
deitar um olhar sobre o passado.

Numa dessas coincidências que não sabemos explicar direito, deparei-me com uma entrevista de Ferreira Gullar no jornal O Globo deste sábado, 12/08, em que ele falava a Arnaldo Bloch sobre os 30 anos de "Poema sujo".
- Trinta anos passados dessa experiência, você sente necessidade de um outro mergulho no passado ou a coisa se esgotou ali, naquele retrato?
Gullar: Eu nunca planejo nada. Por exemplo, eu cheguei um dia a essa sala aqui e estava uma manhã esplendorosa, um domingo, uma luz entrando na sala. Fiquei tocado pela luminosidade da manhã plena, e escrevi um poema que se chama "O instante", que no fim diz isso: "Aqui me tenho sem mim/nada lembro nem sei/à luz presente sou apenas um bicho transparente". É isso. Essa coisa não tem passado, não tem reflexão, é o puro instante: esse é o ideal da felicidade. Porque a pior coisa que tem é o passado. O passado é sofrimento. Se foi bom, dói. Se foi ruim dói do mesmo jeito. Bom, mas é claro que se eu falo isso é porque sou atormentado pelo passado (risos).
- O futuro é mais simpático?
Gullar: Eu não penso no futuro. Não faço projeto. Vivo o presente. Mas o futuro também não é muito boa coisa não, né? (risos). Aqui tá bom, presente. Da mesma maneira, o que está escrito está escrito. Pertence ao passado. Costumo dizer que a poesia começa sempre de zero. Não adianta escrever o que tiver escrito. Até porque tanto faz ter escrito ou não, nunca me satisfaz. Não é porque todo mundo acha legal o "Poema sujo" que eu vou ficar satisfeito. Não se trata de satisfazer vaidades ou de satisfazer público, mas de uma necessidade existencial que o poeta tem de inventar seu mundo, inventar sua realidade imaginária.

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