15.12.06

Vaidade das Vaidades - I

Quinze dias sem tirar a barba, dez dias sem beber e sem fumar. Pode ser crise de abstinência. Pode ser apenas o tirano vil do qual me aproximei. Não estou certo se foi nos últimos dias do ano passado ou nos primeiros dias desse ano. Acho que fui eu que liguei pro meu professor de teatro e lhe disse que não poderia continuar fazendo o curso. Sim, faço um curso livre de teatro. Sim, ele está no fim.

Um ciclo havia se fechado no fim do ano passado. Eu já estava cansado. Trabalho, faculdade e teatro? Muita coisa pra mim. Enfim... Naquele telefonema ele me falou pra continuar, que seria bacana, "vamos estudar Shakespeare". Legal!, pensei. Só que eu já estudaria o bardo, de qualquer maneira, por influência de uma carta que Mário de Andrade escreveu pro Fernando Sabino:

"Você precisa de uma cultura literária geral, que não deve ser feita duma vez só, mas dentro de um programa que pode durar ponhamos seis anos. Há certas coisas que a gente carece de conhecer e gostar. Gostar de, faz parte da dignidade humana do indivíduo. Você precisa ler Camões (...), Dante(...), o Goethe do Fausto e dos romances, está claro todo o Shakespeare, e assim por diante."*

Então disse que não dava, que eu precisava priorizar outras coisas, blá-blá-blá... E ele falou com tanta gentileza - não foi exatamente como um gentleman, foi quase como uma lady - que faríamos Macbeth, e que eu seria o protagonista, que.

Amanhã faremos única apresentação no Teatro Ruth Escobar. Ingressos vendidos, últimos ajustes de produção, ensaios finais, medo natural da estréia. Adiei o quanto pude a minha convivência com o personagem. Hoje ele é a minha sombra. Talvez eu já seja a dele. Ou, ainda, amanhã serei apenas um mau ator se debatendo sobre o palco e que depois será esquecido.

Todas essas palavras podem ser apenas uma forma de diminuir a ansiedade que antecede a apresentação. Stagefright? Não. Mesmo porque a Fernandinha Torres** afirmou que o temido pânico de cena só pode acontecer, de verdade, em praças onde o teatro é levado a sério. Isso significa que não levo a sério o que faço? Muito pelo contrário. Faço um curso livre de teatro, assumi um compromisso com o grupo e não larguei a corda. Amanhã mais um ciclo se fecha. Vou e estará feito.

Enquanto não fica feito o feito, aguardo o momento de renascer. Depois das vaias, ou dos aplausos e cumprimentos, vou beber uma cerveja bem gelada (porque o medo de ficar sem voz terá desaparecido), fumar dois ou três cigarros (já comprei dois maços hoje), correr pra casa pra tirar a barba (que não sei se terei coragem de deixar crescer novamente) e, finalmente, deitar tranqüilo, a mente sossegada, em sono quieto.

Será? Não sei... Quando eu acordar, já estarão me chamando outras questões: a casa pra cuidar, vôos para controlar, os preparativos para o Natal... Acho que a dúvida mais gostosa que terei pra resolver no domingo será a escolha do livro (de uma lista imensa) que começarei a ler nestas férias escolares.

Só que o mais interessante será nascer de novo, viver novamente apenas a minha vida. E que o tirano vil fique apenas no papel. Amém!




Agradeço a todas as pessoas que estiveram ao meu lado durante todo este processo, seja em casa, no trabalho, na faculdade ou no teatro. A lista chegaria ao fim do mundo. Recebam todos o meu abraço!


* Trecho de carta escrita por Mário de Andrade em 21-III-42, publicada no livro Cartas a um jovem escritor e suas respostas.

** Fernanda Torres fez a referida afirmação num texto de que gostei muito e está publicado na revista Piauí deste mês. Coincidência ou não, li o texto da Fernanda nesta manhã.

Um comentário:

Anônimo disse...

meu querido, que bonita história, espero que tenhas te saído bem. ou entrado, vai saber quando se entra ou sai em situações assim...? poxa vida, quero que continues para eu te ver no palco!!! e a cerveja esteve do teu gosto? desceu macia e regelada pra acalmar os ânimos? guardaste fotos barbadas? eita, eita. que pena eu não ter podido ir.
hasta la próxima, quizás, quizás.
beijo e abraço apertado