11.12.10

O engano de Rosa

viver não é muito perigoso. viver é violento mesmo. os pássaros cantando há 30 minutos na minha janela me arrancam da cama, acabam com meu sono, e não sei qual é o problema deles, só podem estar com fome ou com medo porque uma luz vem chegando no horizonte rasgando a escuridão da noite. eles me desesperam mais do que o barulho da moto que sobe a rua em alta velocidade seguida pelo barulho de uma sirene – parece a polícia – enquanto a lotação desce a rua carregando um monte de gente que se vê obrigada a levantar ainda de madrugada ou vai trabalhar com fome mas o sono é certo que continuarão sentindo, cochilando, babando. ou o pão nosso de cada dia saindo do forno rasgado pela faca que corta um naco de manteiga incapaz de resistir ao calor e escorre pelos miolos do pão rasgado agora por meus dentes. perigoso, que nada, violento mesmo. violento ver as palavras surgindo como fogos de artifício disparados pelo vapor no complexo do alemão, palavras que não me deixam, que não me largam, palavras que rasgam o papel manteiga e mesmo assim não me dou por satisfeito porque enquanto finjo que risco o papel, agora tela do computador, é, computador, que vejo que as palavras não perdoam porque ferem minhas próprias possibilidades de viver em paz, não sossegam, não me dão sossego, mesmo sabendo que o que escrevo está mesmo uma merda, mesmo quando vai batendo um desespero não me deixam parar até que lhes obrigo a silenciar porque já descobri que bastaria dizer do engano de Rosa, que viver não é muito perigoso, que viver é violento mesmo.

Um comentário:

zeh disse...

quede claro que se trata del Rosa, Guimarães Rosa. por las dudas...