24.12.09

sem título


Os seus olhares através do espelho, o diálogo silencioso entre as mãos que há muito não se tocavam, as palavras que dispensavam códigos por pertencerem não apenas ao discurso hermético dos amantes, mas que para eles têm sentido próprio. Ele não se dera conta, ela sabia. O desejo sempre atropelara o egoísmo, mas a conveniência da tristeza já era questionável. A dor não proporcionava o mesmo prazer, a mentira havia adquirido efeito de verdade de antemão, derrubando argumentações ou a necessidade delas. A ficção perdia espaço para o cotidiano cada vez mais fantástico que insiste em permanecer dentro das casas apenas por ter sido convidado a fazê-lo. A caixa preta das emoções jamais seria aberta: perdeu-se para sempre no oceano profundo entre África e Brasil. O salto necessário às palavras do discurso carecia de impulso, dispensava analistas. Nem Borges, nem Cortázar. Shakespeare? Não. Tampouco Guimarães. Talvez Machado. Sim, Machado talvez soubesse fazê-lo. Realmente não bastaria ser fã de literatura. Só um escritor profissional poderia fazê-lo. A pecha de escritor profissional não lhe agradava porque não se considerava nada além de um apaixonado pelas palavras. Adorava seus sons, sua textura e profundidade. Mais: nunca deixaram de impressioná-lo as possibilidades da palavra, tantas quantas permitiam a habilidade de quem-como-onde utilizava cada uma. Duvidava tanto dela como dos textos desprovidos de emoção. Um sorriso ou uma gota de lágrima escondiam pormenores que lhes trazia à tona, era óbvio. O que dizer de “a casa caiu”, “o gato subiu no telhado”, “ele não me ligou”, “ela não me atendeu”, “de grão em grão...”, “água mole em pedra dura...”? Lugares comuns? Disparadores? Como diria o poeta, depende muito de muita coisa. A chatice de um livro, então? Essa é detectável pelo leitor após a leitura de aproximadamente três frases desconexas ou de uma infinidade de palavras encadeadas a fórceps. Quem escreve, no entanto, se dá conta da chatice de um livro quando desiste de escrevê-lo.

Nenhum comentário: