15.1.07

Ficou um gosto azedo na boca. Teve azia na véspera. Pensou ter engolido alguns sapos, mas foram vários insetos. Sapo mesmo ele só engoliu quando avistou a galinha montada na vespa. Bizzzzzzz... Aquele barulho no ouvido não o deixava dormir. Enquanto não dormia, aquela visão o atormentava. Aqui acontece tudo aquilo que já era de se esperar: ele se levanta, acende um cigarro, toma um copo d'água, fuma outro cigarro, abre uma cerveja, fica olhando pro nada através da janela com vista para seis ou sete prédios, tenta ler em vão, fuma mais um cigarro, faz um café, escreve uma carta pra ela, espirra e. Agora é que a porca torce o rabo. Ele tinha acabado de assinar a carta no momento em que espirrou. Um dos muitos vasos que ainda tem no nariz estourou. Foi sangue pra todo lado: boca, braços, mãos e cada uma das três páginas que ele acabara de escrever. Chorou. Chorou como se estivesse preso para sempre naquela cadeira, não conseguia mover braços ou pernas. Conseguiu apenas escorregar um pouco, deixou a cabeça pender para trás. Perdido, completamente perdido. Só resta ver o que ele vê: o teto. Pintado de branco, sem luminárias, tela de cinema. Aparecem os melhores momentos que eles viveram juntos: o dia em que se conheceram, os primeiros olhares, o sorriso doce dela, o café com leite e açúcar, as primeira-segunda-terceira-e-todas-as-outras vezes. Não aparece mais nada. Ele já não se lembra porque o barulho o incomoda de novo: bizzzzzzzzzz... Fecha os olhos buscando concentração para criar imagens agradáveis. Substitui o barulho incômodo pelo som das águas correndo no rio. Tudo muito verde, céu pintado de azul, uma borboleta amarela voando. Um frio percorre a espinha e ele abre os olhos. A borboleta está sobre a mesa. Ele se levanta de pronto. Ela decola e voa leve pelo escritório. Encantado, ele acompanha o vôo da borboleta e deseja tocá-la. Ela se aproxima da janela. Ele hesita. Ela se aproxima dele novamente. Ele se excita. A borboleta voa suave e atravessa a janela. Ele se lembra do rio e mergulha atrás dela. Foi o salto mais puro que um homem poderia realizar. A carta foi publicada no jornal sensacionalista que ela costumava ler. Ficou um gosto azedo na boca.

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, Zé... não sei nem o que... falar...

Su disse...

Isso é melhor que Nelson Rodrigues!