28.10.06

Fingidor, eu?

Se isso aqui fosse um diário, eu diria que dormi mal por ter tido o sono interrompido por uma chamada no meio da madrugada, chamada que só o identificador do celular foi capaz de reconhecer pois nunca vi aquele número na vida; que estou apaixonado por alguém que conheço desde sempre, mas morro de medo de me pronunciar a respeito; que acordei às cinco da manhã pensando nela, mas tive que ir trabalhar; que consegui ser extremamente bem-humorado no trabalho, apesar do sono, da azia e dos atrasos em quase todos os vôos; que saí do trabalho satisfeito por ter cumprido minha missão; que me assustei com o dia lindo que encontrei no caminho de volta pra casa; que estava doido pra ouvir Cartola - como depois acabei fazendo; que fiquei espantado com a quantidade de (indi)gente(s) na Praça da Sé ouvindo o pastor; que fiquei impressionado com a possibilidade de relacionar esta última imagem com as canções de Cartola, a literatura indianista (ou indigenista?) e a minha cortante dúvida sobre desentranhar poesia da desgraça alheia (questão, talvez, ética e estética); que gostaria de escrever uma crônica a partir de qualquer uma dessas coisas, mas me senti incapaz de fazê-lo; que pensei a respeito de um diálogo que ouvi essa semana a respeito da imagem que criamos uns dos outros e a respeito de nós mesmos; que lembrei de uma pessoa ter dito que sou um cara decidido; que o Pessoa disse que "tudo vale a pena" e que "o poeta é um fingidor". Então lembrei: isso aqui não é um diário, e nem tudo é verdade.

O a(u)tor.

(eu hein!)

26.10.06

Morfológicas VI

(tarja preta)


Nossolexicomental

Indicações: ideal para criar imagens e expressões como "sorrir com os olhos"...

Contra-indicações: o mau uso deste medicamento pode nos levar a criar frases muitas vezes infelizes, do tipo "não é você, sou eu"...

25.10.06

Morfológicas V

Não, professora... Eu não sei por que as classes de palavras
são importantes para o processo de formação de palavras.

Aliás, existe luta de classes de palavras?
Se a resposta for positiva, desconfio que o verbo está no topo...

Então a professora pergunta o valor de x. Sim, o valor de x!
Olivia Maia propõe o problema:
todos os x pulam corda
todos os x estão estragados
todos os x merecem o céu
todos os x são cor-de-rosa
x = ?

Eu digo x = 2 segmentos de reta que se cruzam no ponto y.
Onde já se viu perguntar o valor de x?
Ou perguntar qual é a raiz da batata?!!!

Se eu quisesse estudar álgebra tinha prestado Matemática!

q.e.d., hehehe...


Ah! O blog da Olivia (breve na barra):
www.verbeat.org/blogs/forsit/

21.10.06

desejo fosse oração...

quero muito, quero tanto,
quero tudo em nosso lance.
só não quero nos tornar
personagens de romance.

20.10.06

bobagem sem título

Ele - E aí, tudo bem?

Ela - Tudo bem! E você?

Ele - Melhor agora! Você está encantadora!

Ela - (um calor nas faces, um sorriso vermelho, um suspiro agradecido...) Obrigada! (Mas quem esse cara pensa que é? Por que será que ele está me olhando? Deve dizer isso pra todas...)



Cuidado, meninos!
Ser gentil pode soar falso;
a sinceridade pode
fazer de você um canalha.

Atenção, meninas!
Quando eles disserem
o que vocês gostariam de ouvir
podem estar sendo verdadeiros.
(Mesmo porque nem todos
sabem o que vocês
gostariam de ouvir.)

Em todo caso...

"Veja como vem, veja bem
Veja como vem vai, vai, vem
Veja bem como vai vem
Veja como vai, veja bem
Veja bem como vem
Vai vem se ela vai também
Cuidado meu amigo
Não vá se estrepar
Não queira dar um passo mais largo
Que as pernas podem dar
Não se iluda com um beijo
Uma frase ou um olhar
Não vá se perder por aí... (3x)

Veja como vem...
Você é bem grandinho
Já pode se cuidar e
Ir seguindo o seu caminho
Sempre errando até um dia acertar
Mas não tenha muita pressa
Vá tentando devagar
Só não vá se perder por aí...
Não vá se perder por aí... (2x)"

(Não vá se perder por aí - Raphael Tadeu/Roberto Loyola)

15.10.06

"Você é prolixo, eu sou barroca"

(Uma sabiá...)



E agora não há palavra que nos revele. Só uma profusão de (in)significantes. Releve todas as horas à toa, doentes, ausentes. Pelo papel escorre o sangue derramado pelas pontas das canetas que rasgam nossa carne a cada palavra vomitada. Função de xis, ninguém quer saber mesmo. Não era esfinge nem medusa, mas queria saber o valor da hipotenusa. Tropicou na parlenda. "Na cabana da floresta / morava uma linda princesinha". O chão, já não sabia se de folhas ou estrelas. Afundou no frio do inferno só pra ver de perto. Instantâneo. Enlouquecido, correu para ter de volta o jardim florido. Passou da hora. O jardim já não é elétrico, só as cercas o são. Viu apenas amareladas palavras sobre a grama verde. Quis atravessar, ficou chocado. Outros tempos, vida bandida, ilusões perdidas. Completamente fora de hora. Você é duro. Não é. A festa acabou. Tira essa merda desse sorriso do caminho. Eu tenho a minha dor.

11.10.06

Morfológicas III

Desde que você entrou no meu quadro de pronomes pessoais,
deu-se em minha vida uma transformação sintática.

10.10.06

Ais a mais

Sofre ego
Sôfrego amo-te
a ti me amarro
Nó cego


Ver-te é verde veneno
meu desejo é extremo


Nem um medo nem um gesto
aturo tudo o que detesto
só pra ter você por perto


Não bastou sua boniteza
você tinha que entretecer
tristeza


Deixei cair uma gota de tinta sobre
o papel
Gota a gota pinguei protetora palavra:
véu.


Lavo bem todos os calos
triste calo
nosso amor escorreu pelo ralo


Nem com mil hai-kais
serias capaz
de apagar meus ais


[ Pensando "Ais ou menos", Leminski... Saravá! ]

...zzz...

Meia-noite. Não era o silêncio que invadia a sala o motivo do desconforto. Tudo correra muito bem, por sinal. A barriga cheia, a cama quente, o corpo quente, mas veio a sede. Sem pensar, sentou-se. Bocejou. O corpo cansado do sexo. Torpor de não querer levantar jamais. Já havia se sentado. Estava fácil. Os pés já esquentavam o chão. Bastava respirar fundo e levantar de uma só vez. Foi mais fácil do que pensava. Cruzando a porta do quarto percebi a hora morta. Nada. Parece que o mundo parou. Não chove, não ouço os bichos da noite, tampouco suas máquinas. Só silêncio. Atravesso o corredor pra beber água. Dois, três, cinco goles. Nem gatos, nem galos, nem corujas. Só a sensação de plenitude alimentando o desconforto. Sede saciada, caminho até a sala e abro a velha pasta onde encostados estão os textos que ninguém leu. Saco duas folhas de uma vez, daquelas que estão em branco. Faço um esforço enorme para pensar qualquer coisa que possa escrever nessa hora. Não é possível. O corpo está saciado. A mente com tudo mente. A retina é ferida pela luz que ilumina a mão esquerda empunhando a caneta azul. Só. Não há nada para além disso. Olho para o espaço em branco no papel e o desconforto se transforma em desespero. Quantas palavras serão necessárias para chegar ao final da folha e transferir para o papel essa tal saciedade, essa estúpida sensação de completude? Se ao menos eu conseguisse preencher todos os espaços em branco nesta folha, poderia me levantar, repousar a caneta, guardar os papéis, apagar as luzes e voltar para a cama. Feliz. Morto. Não conseguiu. Desistiu. Mirou as paredes brancas, vazias, cheias o suficiente. Coçou a cabeça maquinalmente. Percebeu que estava dormindo.

7.10.06

Não tem preço?

(samba do miolo-mole)

Um dos versos de "Sampa" nos diz que surge alguma coisa "da força da grana que ergue e destrói coisas belas", se é que eu entendi a letra. Pois bem. Diversos avanços foram conquistados, mas à custa de quê? Às custas de quem? Depois não adianta lamentar a materialização de personagens como o cobrador, de Rubem Fonseca.

Quanto custa manter um homem atrás das grades? E um adolescente? Mais importante que isso: quanto nos custará?

(Creio que são remotas as chances de surgir um santo neste mundo tanto... Aliás, surgir não é impossível; resistir é que deve ser difícil. É uma vocação que não recebe o menor estímulo neste mundo, onde santo é tonto. O único estímulo é à tal ingenuidade que nos impede questionar, duvidar, mesmo dialogar.)

Tenho a impressão de que já é muito mais caro do que criar condições para que cresça o número de pessoas que conseguem olhar para este país de maneira crítica, sem se contentar com a velha ladainha de país do futuro, sem esperar que ele deixe de ser o país do futuro - um não-lugar, se entendi o que dizem por aí.

Perdido em questões que não consigo ordenar, pois me faltam algumas ferramentas para isso, trago mais uma notícia de jornal, a fim de deixar ainda mais doido o samba deste crioulo de miolo mole. Sábado passado, dia 30/09, perambulava pelas ruas do bairro e parei diante de uma banca, atraído que fui pela capa do jornal "Agora - São Paulo":

OS ASSASSINATOS DO CORONEL E DO GARI

A reportagem fazia, para a Secretaria de Segurança Pública, uma comparação descabida: apontava as diferenças na investigação dos assassinatos de Ubiratan Guimarães (63, coronel e deputado) e Fábio Rangel Souza (27, gari). Passados 20 dias, o assassinato de Ubiratan havia sido reconstituído duas vezes, o de Fábio, nenhuma.

Então...
Quanto vale a vida?
Quanto vale a morte?
Quanto vale a liberdade?



Ingênuo que sou, me lembro logo do Bandeira...


Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.



(Escrevi tudo isso no dia 30/09. Não consegui elaborar mesmo, mas fiz questão de publicar essas questões, associações, devaneios. Acho que ando meio sem freio. Efeito do filme desta manhã: "O jardineiro fiel". Puto por não saber o que se passa na África. Ponto.)

5.10.06

O olha-dor

Interrompeu a aula a contragosto. Tudo corria bem até ligarem um microfone diante do prédio. O que será que os alunos estão aprontando dessa vez? Tentou ignorar o barulho. Você! Sim... Você de blusa azul. Leia a parte do repórter. E você de vermelho. Quem, eu? Sim, você! Leia a parte do assassino. Palmas do lado de fora do prédio. O professor respirou fundo e pediu que continuassem a leitura. "É necessária muita cautela para chegar a alguma verdade quando se trata de atos humanos. Não acredito em causas isoladas ou muito precisas. Mas eu, mais do que todos, estou interessado, a respeito desse caso todo, em chegar a uma verdade pelo menos relativa." Palmas lá fora. Ele baixou a cabeça durante trinta segundos até o silêncio. O coração não parava quieto. "Não exatamente, embora o ódio também existisse latente, como sempre acontece em relações desse tipo." Vaias terríveis fizeram-no estremecer. Disfarçou o desejo de esmurrar a mesa com um jeito estranho de coçar a cabeça. Por quê esses malditos alunos não estão na sala de aula? Ordenou: continuem! "Não, eu não estou louco. Estou certo de que o que se passa em minha mente, em toda mente humana, é natural a ela e passível de ser entendido por todas as mentes." Então, o som dos tambores invadiu o corredor. Tudo o que ele gostaria de fazer era esganar um por um. O coração disparou em bombas e ele se rendeu. Ok! Terminou a aula cedo. Eu não sabia mais o que fazer. Desmontei. Quando vou aprender a lidar com essas pessoas? Vivem fazendo perguntas que não estou disposto a responder. Querem me questionar como se eu fosse o cânone! Mirou a sala vazia até que os tambores tivessem se afastado. Deixou a sala, mas não estava sozinho. O vazio foi sua companhia em cada um dos dezoito degraus da escada, através da porta de acesso e durante os doze minutos em que permaneceu sentado no banco em frente ao prédio. Esses alunos não entendem nada... Já não era ódio. Era indiferença.


[ Citações do conto "O monstro", de Sérgio Santana ]

Só pra lembrar que é primavera...

"Olha, está chovendo na roseira,
Que só dá rosa, mas não cheira
A frescura das gotas úmidas
Que é de Luiza, que é de Paulinho
Que é de João, que é de ninguém

Pétalas de rosa carregadas pelo vento
Um amor tão puro carregou meu pensamento
Olha, um tico-tico mora ao lado
E passeando no molhado
Adivinhou a primavera
Olha, que chuva boa, prazenteira
Que vem molhar minha roseira
Chuva boa, criadeira
Que molha a terra, que enche o Rio
Que limpa o céu, que traz o azul

Olha, o jasmineiro está florido
E o riachinho de água esperta
Se lança em vasto rio de águas calmas
Ah! Você é de ninguém
Ah! Você é de ninguém"


"Chovendo na roseira", de Antonio Carlos Jobim.
Disponível nas vozes de Elis Regina e de Edu Lobo.

3.10.06

Sem tido!

Era menino demais para entender tudo aquilo. Calcanhares colados, mãos espalmadas, dedos unidos, um vento frio, a chuva vindo, a juventude e o prazer de viver se esvaindo. Coturnos, casacos e os cascos dos cavalos deixaram sua alma em cacos. A frente fria avançava anunciando a batalha. Tempo truncado, tudo escuro. "Antes que o galo cante duas vezes...". Não precisou. Antes, a coruja piou. O medo outrora oculto revelou-se. Borrou-se. Então, mirou a frase defeito: "os covardes nunca tentaram, os fracos ficaram no caminho, só os fortes conseguiram". Engoliu a seco o gosto azedo. O menino teve de matar, o menino. Não entendia nada. Apenas sonhava com um futuro esquecido no bairro escondido, país longínquo onde pecado era deixar de pular o muro para jogar bola, soltar pipa, andar de skate, tomar sorvete e mascar chiclete. Ao sonhar, tornava claro o escuro. Até o dia em que seu sol entrou em Saturno.



Música Incidental: Mamãe eu não queria (Raul Seixas)

"Larga dessa cantoria menino
Música não vai levar você lugar nenhum"
Peraí mamãe, güenta aí...

Mamãe, eu não queria
Mamãe, eu não queria
Mamãe, eu não queria
Servir o exército...

Não quero bater continência (Trá-lá-lá-lá)
Nem pra sargento, cabo ou capitão (Trá-lá-lá-lá)
Nem quero ser sentinela, mamãe
Que nem cachorro vigiando o portão
Não!

Mamãe, eu não queria...

Desculpe, Vossa Excelência
A falta, a falta de um pistolão
É que meu velho é soldado
E minha mãe pertence ao Exército de Salvação
Não!

Mamãe, eu não queria...

Olha as crianças:
"Marcha soldado, cabeça de papel
Se não marchar direito vai preso pro quartel!"

Mamãe, eu não queria...

Sei que é uma bela carreira
Mas não tenho a menor vocação
Se fosse tão bom assim mainha
Não seria imposição
Não!

Mamãe, eu não queria...

"Você sabe muito bem que é obrigatório
E além do mais você tem que cumprir com seu
dever com orgulho!"
Mamãe eu não queria!

"Você sabe muito bem que é obrigatório
E além do mais você tem que cumprir com seu
dever com orgulho e dedicação!"
Mamãe eu morreria!
"Pela causa meu filho, pela causa!"

Mamãe, eu não queria!
Mamãe! Mamãe eu... eu...